quarta-feira, 3 de maio de 2017

Sonatine

Ator e diretor, Takeshi Kitano constrói um filme de yakuza peculiar e distinto de todos os outros filmes de yakuza, e é de se presumir a forma desconcertante com que este filme –batizado equivocadamente como “Adrenalina Máxima” quando foi primeiramente lançado aqui na era do VHS –foi recebido, já que sua condução, atmosfera e ritmo passam longe de qualquer estereótipo de filmes de ação ou de máfia japonesa.
Ao invés do cenário urbano (que ainda predomina durante seus enganosos trinta primeiros minutos), uma casinha numa praia desabitada; ao invés de rompantes sucessivos de explosiva violência, uma calmaria que convida à introspecção –e que transforma os rompantes de violência (quando eles ocorrem) em momentos verdadeiramente chocantes e inesperados.
A cada filme, Kitano não apenas buscou se afastar da imagem de bem sucedido comediante japonês, mas também da perspectiva e expectativa de que seria um cinema de elementos convencionais o que ele iria realizar: Suas obras destacavam-se por uma vibração diferente, um ritmo particular mais reflexivo, uma observação cheia de sensibilidade dirigida aos aspectos mais truculentos do ser humano. O fato de ser também um ator permitiu a Kitano compreender as nuances dos muitos personagens de seus filmes, concebendo encenações que priorizam as evoluções dramáticas, embora isso também tenha conduzido a um visível egocentrismo na forma com que as cenas se sucedem ao redor do protagonista que ele interpreta.
Mas são observações menores em uma obra que de fato oferece algo novo.
“Sonatine” acompanha um grupo da yakuza, com ênfase na figura amargurada e calejada de Murakawa (Kitano), um dos homens de confiança do chefe do clã. Uma trégua entre duas facções rivais em insistentemente negociada, sempre com resultados insatisfatórios. Logo, quando a guerra se acirra numa proporção inversa à esperança de que a trégua se estabelecesse, cinco yakuzas (Murakawa, dois outros veteranos e dois novatos de índoles distintas) são obrigados a se refugiar numa casinha de praia onde aguardam notícias enquanto são consumidos pelo ócio –e, no processo inevitável, acabam se conhecendo um pouco melhor, enquanto se ocupam de brincadeiras (algumas um tanto estranhas!) e fazem amizade com uma bela jovem que Murakawa por acaso (!) salva de ser estuprada!
Esse registro revela traços de humor em Takeshi Kitano, embora seja um humor bastante peculiar, contemplativo, silencioso e sutil em seus meandros quase negros: Aparentemente, tudo parece depor a favor dos momentos raivosos e explosivos que (embora compareçam nesta obra estranha em doses homeopáticas) o fazem de maneira absolutamente antológica, caso, por exemplo, da muito lembrada cena da chacina do elevador.

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