Longe de ser um dos mais memoráveis títulos da
filmografia de Walter Hugo Khouri, este filme reside ainda na memória popular
pelas polêmicas que foram agregadas a ele ao longo dos anos –e que em nada têm
a ver com sua realização (daí minha pouca vontade em esmiuçá-las).
A verdade é que “Amor, Estranho Amor” é um
apêndice curioso da fase Marcelo, em que Khouri lançou mão de um alter-ego de
nome Marcelo, vivido por diferentes atores, mas que refletiam angústias do
próprio Khouri conforme as circunstâncias de cada filme se apresentava. Não há,
neste filme, um Marcelo, mas há um Hugo, estreitando ainda mais a potencial
identificação do autor com o personagem.
Khouri teve essa idéia ao trabalhar com o jovem
Marcelo Ribeiro em “Eros-O Deus do Amor”, onde o garoto interpretava uma cena
nostálgica em que era seduzido por uma professora.
A idéia era usar o mesmo jovem ator numa trama
ainda mais mergulhada no despertar da sexualidade –e do próprio questionamento
existencial em contrapondo ao fato de que os meios lascivos para exercer tal
sexualidade estariam disponíveis.
O menino Marcelo Ribeiro é, portanto Hugo (e as
cenas de sexo entre ele e as mulheres mais velhas do filme até passaram
relativamente batidas pela censura na época –o Estatuto da Criança e do
Adolescente ainda não existia), um jovem cuja avó, brevemente registrada como
um ser interesseiro, o larga na porta de uma mansão paulistana na década de
1930.
A mansão, logo descobriremos, é um prostíbulo
de luxo, e a mãe de Hugo, Ana (Vera Fischer, de uma beleza extraordinária) vem
a ser sua mais requisitada acompanhante.
Por sinal, Hugo foi deixado lá num momento
delicado: Os preparativos para uma reunião de vários políticos proeminentes da
região estão tomando o local, e o anfitrião da festa (o deputado vivido por
Tarcísio Meira) é cliente fidedigno de Ana.
Sem saber o que fazer com o filho, Ana busca
escondê-lo em diferentes lugares do casarão, onde ele tem breves interlúdios
com as outras prostitutas (como Mathilde Mastrangi, que exibe uma nudez
avassaladora), e acaba flagrando momentos íntimos da ocupação da mãe
–observações de Khouri de ordem psicológica, tão surreais quanto líricas, que
sugerem o quê está por vir.
Há também a figura de Tamara, interpretada por
Xuxa Meneghel (na época das filmagens, menor de idade, assim como Marcelo
Ribeiro), que como as outras, aparece nua e se engraça para o lado do menino –e
não renderia um comentário maior não fosse o fato de ser essa a grande polêmica
pelo qual o filme passou a ser lembrado.
Existem muitas coisas mais importantes (e muito
mais controversas): Ao amanhecer o dia, após uma noite, digamos, tumultuada –e
Khouri, em sua avidez não economiza nas cenas orgásticas –é anunciado o golpe
de 1937 (o Estado Novo liderado por Getúlio Vargas), selando o destino de muitos daqueles homens da política. Embora seja
intrigante e curiosa essa postura histórica de Khouri em relação à ambientação
de seu filme, ela não parece interessá-lo (ou ao menos a dedicação que ele dá a
esses desdobramentos é absolutamente desleixada), seu foco continua a ser a
jornada íntima de Hugo.
É quando surge a cena mais espantosa,
perturbadora e paradoxalmente sensual, do filme: Com o novo status quo político
se estabelecendo, Ana já tem uma idéia do que fazer com Hugo, e ao afirmar que vai
mandá-lo de volta para morar com a avó, o garoto tem uma reação dramática. Numa
cena dotada de sutis simbolismos (e mesmo de indicações narrativas dúbias da
parte de Khouri, o quê para alguns pode ser um atenuante), Ana conclui que não
pode deixá-lo partir sem conceder-lhe algo, e assim, decide seduzi-lo.
Mãe e filho têm então uma cena de sexo pontuada
por Khouri de questões freudianas.
A concepção do incesto, por sinal, remete
talvez a “O Sopro do Coração”, de Louis Malle, ainda que a obra de Malle tenha
um viés biográfico (Malle, quando menino, de fato, esteve numa colônia para
tratamento de escarlatina com sua mãe, como mostrado no filme, embora nada
tenha acontecido entre eles), e aparentemente, não há elementos tão biográficos
assim (pelo menos, em termos factuais) neste trabalho de Khouri.
Ele lançou mão, ao longo de
muitos de seus trabalhos, de audácias formais como essa, embora pareça que, aos
olhos do grande público, isso tudo passou meio batido.
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