segunda-feira, 31 de julho de 2017

Miss Julie

Quando “Árvore da Vida” foi lançado, muitos críticos atentaram para a imensa semelhança da bela atriz Jessica Chastain com um das grandes musas de Ingmar Bergman, Liv Ullmann.
Pois agora, a própria Liv Ullmann –aqui trabalhando como diretora –vem a estreitar essa conexão escalando a própria Jessica Chastain para a difícil protagonista deste teatro filmado (a partir da peça de August Strindberg) que parece representar também uma espécie de inventário que a atriz elabora acerca de Ingmar Bergman (que foi também seu marido) e de seu cinema.
O início, que flagra uma Miss Julie ainda criança (vivida pela pequena Nora McMenamy) a passear solitária pela opulência da mansão onde mora e depois encontrando refúgio no jardim remete muito à “Fanny & Alexander” –trata-se da primeira das muitas referências à Bergman que virão.
A narrativa salta então para uma noite específica (a do solstício de verão) do ano de 1890.
Agora uma moça –e vivida com as sutilezas dramáticas de sempre por Jessica Chastain –Miss Julie é bela, perdulária e perigosamente entediada.
Enquanto seu pai, o Barão, se encontra ausente da mansão, a sua distração, se é que se pode chamar assim, é derramar seus mandos e desmandos sobre os empregados, a humilde cozinheira Kathleen (Samantha Morton) e, em especial, o mordomo John (Colin Farrell), que à propósito, são comprometidos. Um detalhe que, na superioridade providenciada por sua classe, Julie prefere ignorar.
Como Bergman faria, Liv dirige seus atores com ávido apetite para com suas capacidades interpretativas –e o trio que ela reuniu é, deveras, formidável –ela captura os diálogos entre Jessica e Farrell sempre especificando a posição dele em relação à ela: A câmera mostra John sempre abaixado próximo à ela; agachado enquanto Julie está em pé; parado ao chão enquanto ela está no alto de uma escadaria, ou mesmo alguns degraus a frente (e acima) dele.
Suas pequenas e banais ordens dirigidas a John têm o objetivo de distraí-la do tédio aristocrata de sua existência, ressaltar para ele em pequenos detalhes perversos sua condição imutável de filha do patrão e, em última instância, seduzi-lo.
Mas, ao longo da noite, as coisas vão mudar.
À medida que o vinho que consomem lhes vai dissolvendo a dissimulação e a tensão torna insuportável manter o véu de aparências, mesmo que numa relação patroa e empregado, John confidencia primeiro a atração que nutre desde muito criança por ela e, depois que a sedução se concretiza, revela suas facetas brutais, mesquinhas e egoístas.
No fogo cruzado dessa troca constante de poder, Kathleen esconde sua perplexidade aonde pode: Na crença inabalável de que as coisas nunca mudam.
Como num exercício que se tornou célebre nas mãos de Bergman, o filme investiga cada nuance das dinâmicas que se estabelecem entre os três personagens. O texto se revela escorregadio em muitos momentos e os personagens não escapam à ocasionais monólogos contraditórios, mas isso não chega a incomodar quando o trabalho da diretora Liv Ullmann tem a oferecer a exuberância de Jessica, o fulgor contido de Farrell, e a impecável introspecção de Samantha.
É uma obra um tanto quanto árida, emocionalmente dolorosa e desgastante para o expectador –e a pouca experiência de Liv não permite que sua administração das angústias que pairam no ar resulte magistral como Bergman sempre o fez.
Ao final, os personagens se recolhem na significância com a qual cada um se identifica: Kathleen, em sua reconhecida humildade e mediocridade, vai à igreja rezar por uma perspectiva melhor; John descobre a inutilidade absoluta que é sonhar ambiciosamente com um amanhã melhor quando a atitude (e as roupas) de criado são as únicas com as quais ele reconhece a si mesmo; e Miss Julie... bem, Miss Julie não encontra o lugar para ela própria, que antes julgava ser acima de seus serviçais, mas, no árduo e terrível processo de expor sinceridades descobriu não ser nenhum.
Tudo o que ela descobre é o seu desconforto com o fato de viver. E nisso, a expressão de irreprimível tristeza de Jessica Chastain é até mais eficiente e reveladora do que a trágica cena final.

Nenhum comentário:

Postar um comentário