Quando “Árvore da Vida” foi lançado, muitos
críticos atentaram para a imensa semelhança da bela atriz Jessica Chastain com
um das grandes musas de Ingmar Bergman, Liv Ullmann.
Pois agora, a própria Liv Ullmann –aqui
trabalhando como diretora –vem a estreitar essa conexão escalando a própria
Jessica Chastain para a difícil protagonista deste teatro filmado (a partir da
peça de August Strindberg) que parece representar também uma espécie de
inventário que a atriz elabora acerca de Ingmar Bergman (que foi também seu
marido) e de seu cinema.
O início, que flagra uma Miss Julie ainda criança
(vivida pela pequena Nora McMenamy) a passear solitária pela opulência da
mansão onde mora e depois encontrando refúgio no jardim remete muito à “Fanny
& Alexander” –trata-se da primeira das muitas referências à Bergman que
virão.
A narrativa salta então para uma noite
específica (a do solstício de verão) do ano de 1890.
Agora uma moça –e vivida com as sutilezas
dramáticas de sempre por Jessica Chastain –Miss Julie é bela, perdulária e
perigosamente entediada.
Enquanto seu pai, o Barão, se encontra ausente
da mansão, a sua distração, se é que se pode chamar assim, é derramar seus
mandos e desmandos sobre os empregados, a humilde cozinheira Kathleen (Samantha
Morton) e, em especial, o mordomo John (Colin Farrell), que à propósito, são
comprometidos. Um detalhe que, na superioridade providenciada por sua classe,
Julie prefere ignorar.
Como Bergman faria, Liv dirige seus atores com
ávido apetite para com suas capacidades interpretativas –e o trio que ela
reuniu é, deveras, formidável –ela captura os diálogos entre Jessica e Farrell
sempre especificando a posição dele em relação à ela: A câmera mostra John
sempre abaixado próximo à ela; agachado enquanto Julie está em pé; parado ao chão
enquanto ela está no alto de uma escadaria, ou mesmo alguns degraus a frente (e
acima) dele.
Suas pequenas e banais ordens dirigidas a John
têm o objetivo de distraí-la do tédio aristocrata de sua existência, ressaltar
para ele em pequenos detalhes perversos sua condição imutável de filha do
patrão e, em última instância, seduzi-lo.
Mas, ao longo da noite, as coisas vão mudar.
À medida que o vinho que consomem lhes vai
dissolvendo a dissimulação e a tensão torna insuportável manter o véu de
aparências, mesmo que numa relação patroa e empregado, John confidencia
primeiro a atração que nutre desde muito criança por ela e, depois que a
sedução se concretiza, revela suas facetas brutais, mesquinhas e egoístas.
No fogo cruzado dessa troca constante de poder,
Kathleen esconde sua perplexidade aonde pode: Na crença inabalável de que as
coisas nunca mudam.
Como num exercício que se tornou célebre nas
mãos de Bergman, o filme investiga cada nuance das dinâmicas que se estabelecem
entre os três personagens. O texto se revela escorregadio em muitos momentos e
os personagens não escapam à ocasionais monólogos contraditórios, mas isso não
chega a incomodar quando o trabalho da diretora Liv Ullmann tem a oferecer a
exuberância de Jessica, o fulgor contido de Farrell, e a impecável introspecção
de Samantha.
É uma obra um tanto quanto árida,
emocionalmente dolorosa e desgastante para o expectador –e a pouca experiência
de Liv não permite que sua administração das angústias que pairam no ar resulte
magistral como Bergman sempre o fez.
Ao final, os personagens se recolhem na
significância com a qual cada um se identifica: Kathleen, em sua reconhecida
humildade e mediocridade, vai à igreja rezar por uma perspectiva melhor; John
descobre a inutilidade absoluta que é sonhar ambiciosamente com um amanhã melhor quando a atitude (e as roupas) de criado são as únicas com as quais ele reconhece a si mesmo; e Miss Julie... bem, Miss Julie não encontra o lugar
para ela própria, que antes julgava ser acima de seus serviçais, mas, no árduo e terrível processo de expor sinceridades descobriu não ser nenhum.
Tudo o que ela descobre é o
seu desconforto com o fato de viver. E nisso, a expressão de irreprimível
tristeza de Jessica Chastain é até mais eficiente e reveladora do que a trágica
cena final.
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