quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Aliados

O diretor Robert Zemeckis parece se esbaldar com a possibilidade de emular uma narrativa à moda antiga, a homenagear neste trabalho o profundamente merecedor de homenagem, “Casablanca”. Uma vibração clássica, de um fascínio pelo charme emanado dos filmes de antigamente (a despeito do apreço que ele sempre demonstrou por tecnologia de ponta), se percebe em muitas das suas obras, mas somente aqui ele pode recriar uma produção realmente naqueles moldes.
“Aliados” expressa um carinho imenso, além de uma forte vontade de irmanar-se aos filmes de espionagem dos anos 1940 e 50, onde a Segunda Guerra Mundial proporcionava uma narrativa despida de ambigüidades, justapondo mocinhos e vilões de forma genuína, embalada na envolvente roupagem de romantismo e espionagem aventuresca –é todo um cinema assim que Zemeckis resgata com a história dos espiões Max e Marianne.
Ele (Brad Pitt, em adequada composição de época, fazendo lembrar alguns astros do passado), um oficial canadense à serviço da contra-inteligência britânica. Ela (Marion Cottilard, com sua beleza acachapante e seu talento afiado), uma espiã francesa cuja competência e eficiência em missões de campo já lhe renderam relativa fama.
Os dois se conhecem durante uma arriscada missão para eliminar um membro da alta cúpula nazista, quando se disfarçam como um casal apaixonado. Contra todos os indicativos e recomendações –e num desenlace tão inevitável quanto incontornável, tendo em cena os atrativos hiperlativos de Brad Pitt e Marion Cottilard –eles se apaixonam e, após terminada a missão, quando cada um deveria seguir um caminho e nunca mais ouvir falar um do outro, eles resolvem se casar.
A felicidade dura um ano –tempo de sobra para o nascimento de uma filha e o estabelecimento de uma agradável vida doméstica –até que os superiores de Max identificam indícios que apontam Marianne como uma possível espiã trabalhando para os alemães.
É a dúvida em torno da possível culpa de Marianne (sustentada por uma atuação preciosa e minimalista de Marion) que irá alimentar grande parte da narrativa de suspense que Zemeckis conduzirá daí até o final.
Nem parece o mesmo Robert Zemeckis que, em meados da década passada, recebeu críticas por seu cinema deixar de lado o elemento humano para se concentrar em avanços digitais (devido à irregularidade de obras como “O Expresso Polar”, “A Lenda de Beowulf” e “Os Fantasmas de Scrooge”): É no carisma de Brad Pitt e na competência de Marion Cotillard que todo o filme, apesar do ocasional virtuosismo do diretor em uma ou outra cena, se ampara, construindo sua atmosfera de suspense (que em muito também deve aos trabalhos de Hitchcock) em torno da prorrogação contínua da aflição sem resposta dele (seria a esposa uma espiã?) e da presença charmosa e intoxicante dela (estaria a personagem de Marion, em sua beleza desestabilizadora e sua promessa de amor genuíno, ocultando uma femme fatale?).
Como num bom thriller de espionagem de antigamente, o diretor Zemeckis compreende quais são as molas que fornecem o empuxo para as ações e motivações de seus personagens e manipula esses elementos com grande serenidade e perspicácia.
Seu trabalho acaba sendo quase reverencial tamanho é o apreço pelo tipo de cinema que emula, mas se não é sua técnica capaz de tornar o filme memorável, ele tem ao menos um casal central que cataliza as atenções do público.

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