A subversão é um ato inerente ao cinema de
Pedro Almodóvar. Se com o passar dos anos, ele aprendeu novas técnicas de
desenvoltura para subverter conceitos com mais sutileza, em seus primeiros
trabalhos, nos anos 1980, a subversão era executada com mais audácia.
Contudo, sempre graciosa.
Dessa fase, “Ata-Me” é um dos mais
satisfatórios exemplares. Parte comédia de humor negro, parte romance, parte
sátira sobre seqüestro e cárcere, o filme vislumbra as possibilidades que
surgem entre dois personagens que experimentam uma situação de seqüestrador e
refém. A narrativa imprevisível de Almodóvar começa dando a impressão de que
será outro rumo o que ele irá seguir; há diversos elementos na história da
atriz pornô Marina Osorio (Victoria April, um charme só) que parecem levar por
outra direção –muitos deles serão deixados de lado (como a figura inicialmente
importante do diretor do filme, numa homenagem a John Huston, vivido por Paco
Rabal), numa atitude que parece deliberada da parte de Almodóvar: Esta parece
ser uma experiência toda nova de sua parte, a descobrir diferentes caminhos de
seu cinema, ou foi um caso em que o filme transformou-se a medida que foi sendo
elaborado.
É Ricky (Antonio Banderas, então uma espécie de
“muso” do diretor) quem ganhará estatura na narrativa a partir de determinado
ponto. Aficcionado e apaixonado por Marina, ele chegará ao extremo de
seqüestrar seu objeto do desejo, tentando com ela simular algum relacionamento
que, de início, só existe em sua cabeça.
Curioso pensar que esse trecho da premissa
aproxima o trabalho de Almodóvar do filme “Bilbao”, de Bigas Luna, ainda que
aquela obra se debruçasse ainda mais sobre as perversões e as patologias de
seus personagens, num registro fatalista, do jeito como faz aqui, Almodóvar –como
lhe é peculiar –reveste a perversão inerente ao ponto de partida de uma névoa
estranhamente carismática, convidando-nos (junto da personagem de Victoria
April) a simpatizar com o seqüestrador.
Aos poucos, Almodóvar vai enredando o público
numa verdadeira trama de romance carregada com pinceladas irônicas e de sangue
quente latino, a ponto de nos fazer torcedores para que esse tumultuado enredo
envolvendo Marina e Ricky termine em final feliz
Só mesmo Almodóvar para
combinar gracejo, submissão e abuso numa comédia romântica.
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