terça-feira, 15 de agosto de 2017

Ata-Me

A subversão é um ato inerente ao cinema de Pedro Almodóvar. Se com o passar dos anos, ele aprendeu novas técnicas de desenvoltura para subverter conceitos com mais sutileza, em seus primeiros trabalhos, nos anos 1980, a subversão era executada com mais audácia.
Contudo, sempre graciosa.
Dessa fase, “Ata-Me” é um dos mais satisfatórios exemplares. Parte comédia de humor negro, parte romance, parte sátira sobre seqüestro e cárcere, o filme vislumbra as possibilidades que surgem entre dois personagens que experimentam uma situação de seqüestrador e refém. A narrativa imprevisível de Almodóvar começa dando a impressão de que será outro rumo o que ele irá seguir; há diversos elementos na história da atriz pornô Marina Osorio (Victoria April, um charme só) que parecem levar por outra direção –muitos deles serão deixados de lado (como a figura inicialmente importante do diretor do filme, numa homenagem a John Huston, vivido por Paco Rabal), numa atitude que parece deliberada da parte de Almodóvar: Esta parece ser uma experiência toda nova de sua parte, a descobrir diferentes caminhos de seu cinema, ou foi um caso em que o filme transformou-se a medida que foi sendo elaborado.
É Ricky (Antonio Banderas, então uma espécie de “muso” do diretor) quem ganhará estatura na narrativa a partir de determinado ponto. Aficcionado e apaixonado por Marina, ele chegará ao extremo de seqüestrar seu objeto do desejo, tentando com ela simular algum relacionamento que, de início, só existe em sua cabeça.
Curioso pensar que esse trecho da premissa aproxima o trabalho de Almodóvar do filme “Bilbao”, de Bigas Luna, ainda que aquela obra se debruçasse ainda mais sobre as perversões e as patologias de seus personagens, num registro fatalista, do jeito como faz aqui, Almodóvar –como lhe é peculiar –reveste a perversão inerente ao ponto de partida de uma névoa estranhamente carismática, convidando-nos (junto da personagem de Victoria April) a simpatizar com o seqüestrador.
Aos poucos, Almodóvar vai enredando o público numa verdadeira trama de romance carregada com pinceladas irônicas e de sangue quente latino, a ponto de nos fazer torcedores para que esse tumultuado enredo envolvendo Marina e Ricky termine em final feliz
Só mesmo Almodóvar para combinar gracejo, submissão e abuso numa comédia romântica.

Nenhum comentário:

Postar um comentário