quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Intocáveis

Não há qualquer presunção em “Intocáveis” –não confundir com o clássico moderno de Brian De Palma, cujo título vem com artigo –a não ser a de contar uma história emocionante.
Nesse gesto, ele nos relembra a necessidade primordial do cinema.
Todavia, tão bem realizado é o trabalho de seus diretores, Eric Toledano e Olivier Nakache, e tão genuína e salutar é a química dos dois atores, Omar Sy e François Cluzet, que a crítica diante da excelência do filme e de seu avassalador sucesso de público foi lá procurar caroço em angu: Até mesmo afirmaram que “Intocáveis” era uma análise das atuais divisões de classe da França.
O filme até se presta a essa observação –fruto de um trabalho admirável onde os diretores enraizaram seu projeto nos desdobramentos da realidade em que se passa (afinal, esta é também uma obra baseada em fatos reais) –entretanto, uma de suas características mais divertidas é mesmo sua transparência ideológica: Não existem metáforas, analogias ou sínteses na história de Driss (o fantástico Omar Sy), um imigrante vindo do Senegal, em Paris, cujas esperanças se resumem a permanecer no gueto e viver, enquanto puder, de seu seguro desemprego –que ele garante com as assinaturas dos empregadores que o recusam paulatinamente.
Daí alguma surpresa (além de certa relutância em ter de arregaçar as mangas) quando ele é aceito como enfermeiro particular de um milionário tetraplégico, o pouco usual Phillipe (François Cluzet), que enxerga nele uma forma de afastar-se das pedantes companhias de enfermeiros treinados.
E, de fato, é isso que Driss é: Alguém que, em seu despreparo, não consegue tratar Phillipe com comiseração, tato excessivo e indulgência, mas que a ironia e a rudeza com a qual ele lida com todo mundo –um hábito adquirido da vivência impiedosa das ruas. Com o tempo e alguma adaptação –Driss desconhece por completo os procedimentos médicos que a condição de Phillipe exige, assim como sua personalidade autoritária (que ele logo ironiza) e sua rotina organizada e metódica (que ele trata de contestar) –ao longo de diversas situações inesperadas e engraçadas (ou, talvez, em razão delas!) uma bela e inusitada amizade aflora. O enorme sucesso de bilheteria na França (êxito, aliás, repetido no resto do mundo) é prova inconteste da habilidade intrínseca dos realizadores (detalhe que, espero, seja assimilado e compreendido por aqueles que se atreverão a fazer a inevitável versão hollywoodiana) para moldar este descontraído e agradável misto de comédia e drama.
Volta a meia o cinema precisa de filmes irresistíveis, feitos com um toque proporcional de simpatia e maestria como este para lembrar mesmo ao mais sisudo dos cinéfilos que são estas as obras mais essenciais.
A mais genuína arte.

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