Não há qualquer presunção em “Intocáveis” –não confundir
com o clássico moderno de Brian De Palma, cujo título vem com artigo –a não ser
a de contar uma história emocionante.
Nesse gesto, ele nos relembra a necessidade
primordial do cinema.
Todavia, tão bem realizado é o trabalho de seus
diretores, Eric Toledano e Olivier Nakache, e tão genuína e salutar é a química
dos dois atores, Omar Sy e François Cluzet, que a crítica diante da excelência
do filme e de seu avassalador sucesso de público foi lá procurar caroço em
angu: Até mesmo afirmaram que “Intocáveis” era uma análise das atuais divisões
de classe da França.
O filme até se presta a essa observação –fruto de
um trabalho admirável onde os diretores enraizaram seu projeto nos
desdobramentos da realidade em que se passa (afinal, esta é também uma obra
baseada em fatos reais) –entretanto, uma de suas características mais
divertidas é mesmo sua transparência ideológica: Não existem metáforas,
analogias ou sínteses na história de Driss (o fantástico Omar Sy), um imigrante
vindo do Senegal, em Paris, cujas esperanças se resumem a permanecer no gueto e
viver, enquanto puder, de seu seguro desemprego –que ele garante com as
assinaturas dos empregadores que o recusam paulatinamente.
Daí alguma surpresa (além de certa relutância
em ter de arregaçar as mangas) quando ele é aceito como enfermeiro particular
de um milionário tetraplégico, o pouco usual Phillipe (François Cluzet), que
enxerga nele uma forma de afastar-se das pedantes companhias de enfermeiros
treinados.
E, de fato, é isso que Driss é: Alguém que, em
seu despreparo, não consegue tratar Phillipe com comiseração, tato excessivo e
indulgência, mas que a ironia e a rudeza com a qual ele lida com todo mundo –um
hábito adquirido da vivência impiedosa das ruas. Com o tempo e alguma adaptação
–Driss desconhece por completo os procedimentos médicos que a condição de
Phillipe exige, assim como sua personalidade autoritária (que ele logo ironiza)
e sua rotina organizada e metódica (que ele trata de contestar) –ao longo de
diversas situações inesperadas e engraçadas (ou, talvez, em razão delas!) uma
bela e inusitada amizade aflora. O enorme sucesso de bilheteria na França (êxito,
aliás, repetido no resto do mundo) é prova inconteste da habilidade intrínseca
dos realizadores (detalhe que, espero, seja assimilado e compreendido por
aqueles que se atreverão a fazer a inevitável versão hollywoodiana) para moldar
este descontraído e agradável misto de comédia e drama.
Volta a meia o cinema precisa de filmes
irresistíveis, feitos com um toque proporcional de simpatia e maestria como
este para lembrar mesmo ao mais sisudo dos cinéfilos que são estas as obras
mais essenciais.
A mais genuína arte.
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