Era inevitável uma certa reprovação da parte de
público e crítica diante do gesto do diretor Werner Herzog em refilmar um
trabalho tão marcante e prestigiado quanto “Nosferatu”, de F.W. Murnau; as
comparações seriam tão inevitáveis quanto desfavoráveis.
Entretanto, como em todos os trabalhos do
diretor alemão, há nele uma bravura, uma necessidade (ou um atrevimento) de ir
onde outros não ousaram que faz de seu filme algo especial, digno de ser visto.
Ao contrário de Murnau, o filme de Herzog,
datado de 1979, não arcou com problemas autorais para usar os mesmos nomes
presentes no livro de Bram Stoker, “Drácula”, do qual “Nosferatu” era uma espécie
de adaptação clandestina. Dessa maneira, o ator mais emblemático da filmografia
de Herzog, o instável, porém, ocasionalmente magnífico Klaus Kinski, vive o
vampiro cujo nome é Conde Drácula, mas sua aparência, contudo, é a do
personagem Orlock: Careca e pálido, com orelhas pontiagudas e dentes incisivos
(e não os caninos) protuberantes e pontudos como um roedor. Uma aparência que
inspira repulsa e não sedução, diferente do vampiro elegante visto em outras
produções.
É esse estranho e diferenciado Conde Drácula
quem inicia a história quando recebe em sua soturna mansão nos confins
enevoados da Transilvânia o advogado Jonathan Haker (Bruno Ganz, o anjo de “Asas
do Desejo”) chamado até lá para algum serviço de natureza imobiliária.
O que importa é que Jonathan logo perceberá a
razão para o estranho hábito de seu anfitrião: As ausências não muito bem
justificadas de dia e a presença sinistra e desigual à noite –o Conde é,
afinal, um vampiro, e sua influência macabra já começa a afetar irreversivelmente
o próprio Jonathan quando este volta para Budapeste, sua morada na qual lhe
aguarda sua noiva, Mina (a bela Isabele Adjani, falando alemão com a mesma
propriedade com a qual atua em francês), jovem de beleza etérea e algo pura que
desperta os instintos do vampiro e o leva a seguir de barco até lá.
É inusitada a forma com que a narrativa de
Herzog trata o ser personificado por Kinski. Ele é, mais do que um mero
predador, um ser que leva a desgraça para onde vai. O barco dentro do qual
passa os dias até chegar à Budapeste sofre uma praga que aflige a tripulação e
a própria cidade, dentro em breve, será assolada por ratos e doenças –fatores exponencialmente
mais mortais que as caçadas noturnas perpetradas pelo vampiro; como atesta a
cena lúgubre e mórbida (ainda que filmada com lirismo poético) onde vemos uma
sucessão incômoda de caixões intermináveis sendo levados em praça pública.
Como é convulsivo em seu cinema, aliás, Herzog
aproveita a trama mais para construir cenas antológicas e marcantes, uma atrás
da outra, do que necessariamente compor uma narrativa bem amarrada e fluida (e
nesse sentido, um dos momentos mais memoráveis, vem a ser quando Drácula entra
pela primeira vez no quarto de Mina, onde um jogo inteligente de enquadramentos
mostra a sombra dele projetada na parede e mesmo a sua imagem ao lado de Mina,
mas não seu reflexo no espelho!).
São essas escolhas que conduzem a um final
diferente das versões anteriores. Mina –que é retratada com uma palidez alva
que, já de início, a torna uma inusitada contraparte do vampiro –entrega-se a
ele em sacrifício, como no filme de Murnau, embora Herzog imponha novas impressões
(inclusive de ordem sexual), levando-o também à morte. Jonathan, contudo, também
trouxe consigo a maldição do vampiro, e Mina, antes de morrer, providenciou
também sua destruição cercando-o de pétalas de rosa (um elemento que, no livro
de Stoker, também afetava o vampiro) enquanto a luz do sol não nascia para
eliminá-lo.
Num gesto tão irônico
quanto indicativo do pessimismo com relação ao mundo de autores do período como
Herzog (e Roman Polanski, para citar outro exemplo), uma desavisada camareira
surge para remover as pétalas e liberar o vampiro –Drácula pode ter sido destruído
pelo nobre sacrifício ce Mina, mas o mal encontrou um meio de persistir.
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