Às vezes é difícil levar a sério o cinema
realizado por Kevin Smith. Se, por um lado, ele tem no currículo uma obra
austera, plausível e bem escrita como “Procura-Se Amy”, por outro, seu gosto
pelo besteirol costuma manchar seus trabalhos, fazendo filmes que poderiam ser
interessantes, como “O Balconista 2” ou “Dogma” soar como grandes brincadeiras
imaturas.
“Tusk-A Transformação” não ajuda muito a mudar
essa percepção.
A própria gênese do projeto é, em si, um
absurdo: Em seu habitual programa radiofônico onde discute cultura pop, o
próprio Kevin Smith, numa conversa casual (cujo áudio é repetido nos créditos
finais deste filme) imaginou uma premissa insana onde um homem é transformado
numa morsa (!), e lançou o desafio: Se o podcast em questão recebesse um
determinado número de curtidas na Internet, ele transformaria aquele arremedo
de trama num filme.
Desafio cumprido, eis que temos então um novo
filme de Kevin Smith!
O protagonista, Wallace (o normalmente
simpático Justin Long, do já clássico “Olhos Famintos”) é um apresentador de
podcasts –talvez, espelhando o próprio Kevin Smith, talvez, em função de seu
autor ter preguiça em inventar outra coisa! –aqueles programas da Internet
cujos apresentadores se beneficiam de vídeos que registram as maiores e mais
estranhas presepadas.
Como um charlatão em busca do próximo golpe –e
dessa maneira retratado –ele vai ao Canadá à procura do que parece ser uma
entrevista, deixando para trás a namorada Alisson (a bela Gênesis Rodrigues)
que o trai com seu melhor amigo Teddy (Haley Joel Osment, o garotinho, agora
crescido, de “O Sexto Sentido”) –a menção se justifica, pois estes serão
personagens bastante importantes mais tarde...
Enfim, quando a entrevista não se concretiza,
Wallace acaba virando hóspede de um velho senhor (Michael Parks, um grande e
despojado ator) com uma estranha história pela qual, em princípio, parece interessado:
Quando jovem, soldado, ele se viu náufrago em uma ilha, na companhia de uma
morsa a quem deu o nome de Mr. Tusk. Segundo ele, o único verdadeiro amigo que
conheceu.
Agora, na esperança de reviver o elo que tinha
com Mr. Tusk, ele droga Wallace e o torna prisioneiro de sua reclusa mansão na
intenção de transformá-lo numa morsa (!), começando por amputar-lhe uma das
pernas (!!), implantar presas imensas em seu maxilar (!!!), confeccionadas a
partir do osso do próprio fêmur extraído, e assim por diante...
Kevin Smtih vai narrando seu filme assim, de
bizarrice em bizarrice, em registro ora de filme de terror, ora de humor
extremamente negro.
Quando a falta de notícias de Wallace chega a
um ponto preocupante, Alisson e Teddy recorrente a um detetive particular, o
estranhíssimo Guy LaPointe (que o cast não revela, mas vem a ser interpretado
por Johnny Depp!).
Com base nesse argumento desigual, para dizer o
mínimo, Kevin Smith cria um filme que anda no equilíbrio tênue entre o absurdo
adolescente de algumas obras anteriores, e um show de horrores amparado em
influências cinéfilas muito particulares, sendo certamente as mais
identificáveis, o clássico cult "Monstros" de Todd Browning, e o
repulsivo e controverso "Centopéia Humana" –com a qual guarda suas
maiores semelhanças, embora Smith jamais se atreva a tentar igualar seu teor
terrivelmente perturbador.
“Tusk” acaba sendo o
primeiro filme de uma trilogia, ainda não concluída, sobre filmes de humor
negro –e inclinados para tramas inusitados de terror ou suspense –ambientados
no Canadá; e possivelmente, todos eles contarão com a presença do esquisito Guy
LaPointe! As duas jovens protagonistas do segundo filme, “Yoga Hosers”,
inclusive, marcam uma breve participação aqui: São as duas adolescentes que
atendem Wallace numa loja de conveniência, interpretadas por Lily-Rose Depp
(filha de Johnny Depp) e Harley Quinn Smith (filha do próprio Kevin Smith).
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