Em 2007, Quentin Tarantino recebeu com lisonja
o convite de um grande ídolo seu, o cultuado diretor japonês Takashi Miike,
para participar do elenco de um filme dele, uma espécie de delírio
cinematográfico ao estilo faroeste intitulado “Sukiyaki Western Django” –inspirado,
por sua vez, no antológico faroeste spaghetti de Sergio Corbucci, “Django”.
Nada me tira da cabeça que foi ali, inspirado
pela iniciativa do próprio Takashi Miike, que Tarantino aproveitou a idéia e a
premissa para fazer ele próprio o primeiro faroeste de sua carreira (já ela
pontuada por constantes homenagens ao gênero): “Django Livre”.
O próprio título indica que Tarantino teve a
idéia em conseqüência do projeto de Miike –que, para variar um pouco, nunca foi
lançado no Brasil...
Sob inúmeros aspectos, Tarantino se vale da
deixa do faroeste para promover uma série de debochadas reinvenções, a começar
pela contundente crítica ao racismo e à escravidão, afinal, se antes o negro
Django (Jamie Foxx herdando um personagem inicialmente destinado à Will Smith
que evitou o projeto devido à alta violência) era mais um cativo do sul
escravocrata, logo na cena inicial ele é feito homem livre pela intervenção do
pistoleiro e caçador de recompensas Dr. King Schultz (o magnífico Christoph
Waltz).
Um mercenário travestido de dentista, Schultz é
um homem que não crê em rótulos –e sendo ele, por sua vez, um alemão
(nacionalidade fadada a carregar o estigma do nazismo a partir do Século XX),
este é também um comentário muito particular do realizador.
Acompanhado de Schultz, a quem eventualmente
presta ajuda, Django adota a profissão de seu salvador e logo demonstra
insuspeito talento no gatilho, matando brancos foras-da-lei pelo velho oeste
afora –e, por vezes, chocando os desacostumados (e preconceituosos) transeuntes
com a visão de um negro armado, imponente e livre.
Mas, Django tem para si uma missão pessoal: Voltar
para os ermos do Mississipi, na propriedade conhecida como Candieland e de lá
tirar sua esposa, Bronhilda (a linda Kerry Washington), das garras do senhor de
escravos Calvin Candie (Leonardo Dicaprio, numa atuação temperada de sarcasmo e
repulsa).
Num golpe de espirituosa genialidade da parte
de Tarantino, Calvin Candie não é, necessariamente, o vilão da história: Ele é
freqüentemente manipulado pelo verdadeiro vilão, o empregado negro –veja só! –Stephen
vivido por Samuel L. Jackson (que, aqui, está particularmente magistral em sua
asquerosa vilania) que se vale da condição de mordomo de longa data da família
Candie para controlar a ingênua psicose de Calvin em seu favor, destilando seu
ódio contra quase todos e seu racismo pessoal contra os indivíduos de sua
própria raça (!).
O resultado de um roteiro tão inclinado à
reformulações conceituais acaba sendo, como sempre, mais um trabalho antológico
de Quentin Tarantino, finalmente aderindo a um gênero que já influenciava
indireta e profundamente a sua carreira.
Em suas mãos, esta inusitada (e debochada)
reflexão sobre os meandros da escravatura avança em tensão e intenção para
converter-se num vigoroso conto de vingança, além de revelar-se nesse ínterim uma
apaixonada homenagem à Sergio Corbucci, o cultuado diretor do “Django” original
–por sinal, o intérprete de Django, o veterano Franco Nero tem, ele próprio,
uma especialíssima participação.
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