quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Náufrago

Embora tenham levado seus prêmios Oscars por “Forrest Gump-O Contador de Histórias”, para muitos o melhor trabalho que o diretor Robert Zemeckis e o astro Tom Hanks entregaram juntos foi “Náufrago”. E o filme, em uma revisão, faz jus a essa expectativa revelando que o tempo não interferiu na qualidade refinada de seu roteiro e, em especial, na atuação surpreendente em termos físicos e expressivos de Tom Hanks.
Para dar realismo ao aspecto de seu personagem –que passa quatro anos isolado em uma ilha deserta –Hanks e a produção embarcaram numa idéia audaciosa: As filmagens tiveram um intervalo de exatamente um ano (!) para que o ator pudesse emagrecer o suficiente para o papel (além de deixar barba e cabelo crescerem), o quê em cena causa um tremendo contraste entre a fisionomia dele antes do naufrágio, quando ainda vivia em civilização e depois de toda a odisséia transcorrida.
O roteiro também, escrito por William Broyles Jr. (roteirista de “Apollo 13”), evita com elegância e inteligência diversas situações clichê de filmes sobre náufragos: Chuck Noland (personagem de Hanks) é um homem essencialmente urbanizado –funcionário da Fedex, ele vive em função do relógio e de sua boca saem constantes observações acerca da necessidade moderna de sincronia profissional.
Nem mesmo sua noiva (Helen Hunt, de “Melhor É Impossível”) escapa de tal meticulosidade.
Após um acidente aéreo (numa seqüência que dá ótima idéia do virtuosismo técnico que Zemeckis possui para com efeitos visuais) ocorrido no meio do oceano, porém, Chuck descobre ser o único sobrevivente em uma pequena ilha deserta, longe de tudo e de todos. E aí, o homem civilizado deve aprender a conter a própria ansiedade, a perplexidade trazida pela solidão, e a comodidade herdada da vida civilizada para simplesmente não morrer.
A narrativa de Zemeckis vale-se dessas circunstâncias não para elaborar mais um filme de aventura como tantos outros, mas para penetrar nas convulsões da mente desse personagem: Magnífico exemplo dessa postura é a “amizade” que Chuck estabelece com uma bola de vôlei à qual dá o nome de Wilson (!), na qual ele faz o desenho de um rosto usando o próprio sangue –o roteiro é primordial na maneira como constrói esses elementos, mas nenhum deles teria eficácia não fosse a fenomenal interpretação de Tom Hanks, que carrega sozinho quase o filme inteiro.
A espera de Chuck por um possível resgate vai se esvaindo a medida que os anos passam, assim como suas tentativas de deixar a ilha são  complicadas pelo mar bravio –os recifes pontiagudos impedem a travessia com uma mera jangada.
Após quatro anos preso naquela ilha, Chuck descobre por acaso uma maneira de sair e regressar para a civilização. E aí, o filme de Zemeckis engata uma nova marcha ao confrontar o personagem de Hanks –já transfigurado pelo assombroso emagrecimento experimentado pelo ator –com o seu retorno à civilização e à uma vida da qual há quatro anos ele perdera o contato.
O diretor planta inúmeros indícios sobre essa jornada pessoal que ele narra –e a qual termina conduzindo até um final pleno de intimismo e simbolismo que deve deixar muitos expectadores coçando a cabeça –e evita bravamente quaisquer tentativas de manipular o público: Não há sentimentalismo fácil, nem cenas heróicas ou mesmo óbvias para o gênero que trabalha (até mesmo a trilha sonora só começa a tocar depois que o personagem sai da ilha, quando o filme já passou de sua metade!).
Há, sim, o grande trabalho de Tom Hanks, e o extremo apuro técnico de seu diretor na reconstituição dessa incrível situação-limite.

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