Embora tenham levado seus prêmios Oscars por
“Forrest Gump-O Contador de Histórias”, para muitos o melhor trabalho que o
diretor Robert Zemeckis e o astro Tom Hanks entregaram juntos foi “Náufrago”. E
o filme, em uma revisão, faz jus a essa expectativa revelando que o tempo não
interferiu na qualidade refinada de seu roteiro e, em especial, na atuação
surpreendente em termos físicos e expressivos de Tom Hanks.
Para dar realismo ao aspecto de seu personagem
–que passa quatro anos isolado em uma ilha deserta –Hanks e a produção
embarcaram numa idéia audaciosa: As filmagens tiveram um intervalo de exatamente
um ano (!) para que o ator pudesse emagrecer o suficiente para o papel (além de
deixar barba e cabelo crescerem), o quê em cena causa um tremendo contraste
entre a fisionomia dele antes do naufrágio, quando ainda vivia em civilização e
depois de toda a odisséia transcorrida.
O roteiro também, escrito por William Broyles
Jr. (roteirista de “Apollo 13”), evita com elegância e inteligência diversas
situações clichê de filmes sobre náufragos: Chuck Noland (personagem de Hanks)
é um homem essencialmente urbanizado –funcionário da Fedex, ele vive em função
do relógio e de sua boca saem constantes observações acerca da necessidade
moderna de sincronia profissional.
Nem mesmo sua noiva (Helen Hunt, de “Melhor É
Impossível”) escapa de tal meticulosidade.
Após um acidente aéreo (numa seqüência que dá
ótima idéia do virtuosismo técnico que Zemeckis possui para com efeitos
visuais) ocorrido no meio do oceano, porém, Chuck descobre ser o único
sobrevivente em uma pequena ilha deserta, longe de tudo e de todos. E aí, o
homem civilizado deve aprender a conter a própria ansiedade, a perplexidade
trazida pela solidão, e a comodidade herdada da vida civilizada para
simplesmente não morrer.
A narrativa de Zemeckis vale-se dessas
circunstâncias não para elaborar mais um filme de aventura como tantos outros,
mas para penetrar nas convulsões da mente desse personagem: Magnífico exemplo
dessa postura é a “amizade” que Chuck estabelece com uma bola de vôlei à qual
dá o nome de Wilson (!), na qual ele faz o desenho de um rosto usando o próprio
sangue –o roteiro é primordial na maneira como constrói esses elementos, mas
nenhum deles teria eficácia não fosse a fenomenal interpretação de Tom Hanks,
que carrega sozinho quase o filme inteiro.
A espera de Chuck por um possível resgate vai
se esvaindo a medida que os anos passam, assim como suas tentativas de deixar a
ilha são complicadas pelo mar bravio –os
recifes pontiagudos impedem a travessia com uma mera jangada.
Após quatro anos preso naquela ilha, Chuck
descobre por acaso uma maneira de sair e regressar para a civilização. E aí, o
filme de Zemeckis engata uma nova marcha ao confrontar o personagem de Hanks
–já transfigurado pelo assombroso emagrecimento experimentado pelo ator –com o
seu retorno à civilização e à uma vida da qual há quatro anos ele perdera o
contato.
O diretor planta inúmeros indícios sobre essa
jornada pessoal que ele narra –e a qual termina conduzindo até um final pleno
de intimismo e simbolismo que deve deixar muitos expectadores coçando a cabeça
–e evita bravamente quaisquer tentativas de manipular o público: Não há
sentimentalismo fácil, nem cenas heróicas ou mesmo óbvias para o gênero que
trabalha (até mesmo a trilha sonora só começa a tocar depois que o personagem
sai da ilha, quando o filme já passou de sua metade!).
Há, sim, o grande trabalho
de Tom Hanks, e o extremo apuro técnico de seu diretor na reconstituição dessa
incrível situação-limite.
Nenhum comentário:
Postar um comentário