terça-feira, 19 de setembro de 2017

Perdas e Danos

Um olhar mais desavisado pode acabar levando à conclusão de que este é mais uma obra banal sobre os desdobramentos do adultério, entretanto, o bom cinéfilo identifica que ali, na direção, está o grande Louis Malle e, portanto, deve haver –como sempre há em seus filmes –uma ênfase muito distinta e inesperada das torpezas humanas.
O grande realizador francês elabora uma narrativa cheia de elegância e charme, fascinante em sua dramaturgia, intrigante em seu visual, e acima de tudo, perene em sua reflexão. “Perdas e Danos” acompanha Stephen (o indefectível Jeremy Irons), um diplomata inglês, pai de família e bem casado. Sua vida reflete, com freqüência, aquela fachada de exatidão e perfeição que tanto adora passar a classe elitista.
Sobre muitos aspectos, “Perdas e Danos” é sobre isso: Sobre a classe elitista e o quanto eles têm a perder a medida em que todas as facetas de suas vidas é pensada e planejada numa equação que exclui a imprevisibilidade da emoção.
E, deveras, quando é apresentado à jovem noiva francesa de seu filho, Anna (Juliete Binoche, soberba em sua dualidade moral), é com esse turbilhão inesperado que Stephen é confrontado: O desejo –mais que o amor –tão ardente que o faz ignorar os laços familiares iminentes que estão sendo estabelecidos com aquela moça.
Malle conduz esse crescendo operístico de obsessão e tragédia com uma sutileza que era –e ainda é –um artigo raro no cinema de circuito comercial que o publico conhece. Seu entendimento das faíscas passionais que sobrepujam a ética é certamente a grande força de seu filme: O envolvimento adúltero de Stephen com Anna tira dele a razão, ameaçando consumir com seu delicado trabalho, seu casamento e sua vida; não obstante certo anacronismo da trama, o encadeamento dos elementos que o diretor faz desse microcosmo –e que, exatamente por isso, proporciona uma desintegração tão brusca e irreversível quando tudo dá errado –é notável.
Para quem acompanhou seus trabalhos anteriores, é clara demais a percepção de mundo (e de valores humanos) agregados por Malle para não achar que tudo caminha inevitavelmente para a tragédia. Ainda que, em seu fascínio irrestrito por essas almas torturadas pela promessa um êxtase fugaz, ele seja hábil em fazer deles personagens cuja derrocada terminamos por lamentar. Malle já apresentou qualidade muito maior em trabalhos anteriores (e isso é absolutamente incontornável diante de uma filmografia que abarca títulos como “Trinta Anos Esta Noite”, “O Sopro do Coração”, “Adeus, Meninos” e “Atlantic City”), aqui, no entanto ele ratifica sua qualidade mantendo os eventos cadenciados por um ritmo todo particular, dando à composição das cenas uma espécie de névoa por meio da qual diversas ambigüidades terminam sendo trabalhadas, e conferindo um certo requinte na atuação do elenco, especialmente Miranda Richardson, sublime no papel da esposa traída.

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