Um olhar mais desavisado pode acabar levando à
conclusão de que este é mais uma obra banal sobre os desdobramentos do
adultério, entretanto, o bom cinéfilo identifica que ali, na direção, está o
grande Louis Malle e, portanto, deve haver –como sempre há em seus filmes –uma
ênfase muito distinta e inesperada das torpezas humanas.
O grande realizador francês elabora uma
narrativa cheia de elegância e charme, fascinante em sua dramaturgia,
intrigante em seu visual, e acima de tudo, perene em sua reflexão. “Perdas e
Danos” acompanha Stephen (o indefectível Jeremy Irons), um diplomata inglês,
pai de família e bem casado. Sua vida reflete, com freqüência, aquela fachada
de exatidão e perfeição que tanto adora passar a classe elitista.
Sobre muitos aspectos, “Perdas e Danos” é sobre
isso: Sobre a classe elitista e o quanto eles têm a perder a medida em que
todas as facetas de suas vidas é pensada e planejada numa equação que exclui a
imprevisibilidade da emoção.
E, deveras, quando é apresentado à jovem noiva
francesa de seu filho, Anna (Juliete Binoche, soberba em sua dualidade moral),
é com esse turbilhão inesperado que Stephen é confrontado: O desejo –mais que o
amor –tão ardente que o faz ignorar os laços familiares iminentes que estão
sendo estabelecidos com aquela moça.
Malle conduz esse crescendo operístico de
obsessão e tragédia com uma sutileza que era –e ainda é –um artigo raro no
cinema de circuito comercial que o publico conhece. Seu entendimento das
faíscas passionais que sobrepujam a ética é certamente a grande força de seu
filme: O envolvimento adúltero de Stephen com Anna tira dele a razão, ameaçando
consumir com seu delicado trabalho, seu casamento e sua vida; não obstante
certo anacronismo da trama, o encadeamento dos elementos que o diretor faz
desse microcosmo –e que, exatamente por isso, proporciona uma desintegração tão
brusca e irreversível quando tudo dá errado –é notável.
Para quem acompanhou seus
trabalhos anteriores, é clara demais a percepção de mundo (e de valores humanos)
agregados por Malle para não achar que tudo caminha inevitavelmente para a
tragédia. Ainda que, em seu fascínio irrestrito por essas almas torturadas pela
promessa um êxtase fugaz, ele seja hábil em fazer deles personagens cuja derrocada
terminamos por lamentar. Malle já apresentou qualidade muito maior em trabalhos
anteriores (e isso é absolutamente incontornável diante de uma filmografia que
abarca títulos como “Trinta Anos Esta Noite”, “O Sopro do Coração”, “Adeus,
Meninos” e “Atlantic City”), aqui, no entanto ele ratifica sua qualidade
mantendo os eventos cadenciados por um ritmo todo particular, dando à
composição das cenas uma espécie de névoa por meio da qual diversas
ambigüidades terminam sendo trabalhadas, e conferindo um certo requinte na
atuação do elenco, especialmente Miranda Richardson, sublime no papel da esposa
traída.
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