segunda-feira, 27 de novembro de 2017

A Morte Não Manda Recado

Imprensado entre duas obras poderosas, violentas e arrebatadoras de Sam Peckinpah (logo depois de “Meu Ódio Será Sua Herança” e logo antes de “Sob O Domínio do Medo”), este pequeno e singelo “A Morte Não Manda Recado” é quase desprezado pelos fãs ardorosos do estilo transgressivo e revisionista com o qual Peckinpah abordava o faroeste, mas estranhamente era tido como um dos trabalhos prediletos pelo próprio Peckinpah.
O grande Jason Robards (recém-saído de “Era Uma Vez No Oeste” onde viveu um personagem relativamente similar) é Cable Hogue, um viajante no Oeste que tem o infortúnio de ser assaltado nos primeiros minutos de filme.
Tal infortúnio, como veremos mais a frente, é transformado por Peckinpah no ponto de partida de sua ascensão como cidadão respeitável e homem de negócios –o quê até então ele não era –porém, a lembrança de tal acontecimento (durante o qual os bandidos o humilharam e chamaram de covarde) nunca deixa de perturbá-lo, definindo suas escolhas, e moldando-o como ser humano.
Pode-se perceber algo de alegórico nessa premissa: Hogue vaga sedento sem cavalo, sem arma e sem água pelo deserto, praguejando para Deus de forma curiosa, até achar uma fonte de água. Ele fica por lá, fazendo daquela terra a sua, e valendo-se da fonte de água encontrada –uma riqueza sem igual nos confins escaldantes do deserto americano –para prosperar em um posto que passa a chamar de ‘Cable Springs’.
A ele junta-se logo depois um jovem reverendo (David Warner) um bocado inclinado a ceder aos pecados da carne, e uma prostituta, Hildy (a bela Stella Stevens) que chega a abandonar o ofício durante algum tempo em nome do relacionamento tumultuado, mas profundamente afetuoso que constrói com Cable.
Ele, contudo, não se esquece de Bowen e Taggart, os dois bandidos que o roubaram e o afrontaram no deserto, mesmo diante da própria prosperidade, mesmo quando os anos se passam, e a própria Hildy, ao partir, o chama para ir com ele.
É a vingança, na concepção de Peckinpah, nublando a razão do homem comum que se brutaliza de bom grado para aguardar sua oportunidade de revanche. Curioso mesmo é Peckinpah entregar uma obra com os contornos que esta tem (os de um conto intimista com lampejos de comédia, o quê se torna mais propício ainda com um ator de brilhante versatilidade como Jason Robards), sendo que um ano antes ele havia surpreendido o mundo e o cinema com um trabalho niilista, crepuscular e forte sobre a violência do Velho Oeste.
E a reflexão de Peciknpah vai ainda mais além: Após quase duas horas de uma trama singela, empática e agridoce envolvendo seu protagonista e seus entes queridos, na qual a economia de tiros desferidos fazia com que cada bala contasse, Peckinpah trás de volta, na meia hora final, os antagonistas Bowen e Taggart só para subverter as expectativas do público –não há um duelo intenso e sangrento como muitos poderiam esperar de Peckinpah e, salvo a morte de Taggart, ele até converte Bowen com rapidez num personagem prostrado, inofensivo e até simpático.
Peckinpah dá um desfecho curioso à esta pequena odisséia de um homem comum que ilustra com simplicidade o empreendedorismo e o sonho americano encenando a morte de Cable Hogue de uma maneira inesperada e descontraída –nem o elenco parece levar tal cena à sério.

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