Acho que Meryl Streep já acumulou mais de vinte
indicações ao Oscar –dessas, ganhou três –entretanto, por mais sensacionais que
sejam os trabalhos pelos quais ela é lembrada nos últimos anos (como o
divertido “O Diabo Veste Prada” ou “A Dama de Ferro”), nenhum, absolutamente
nenhum deles se compara àquele que considero o melhor trabalho de toda sua
carreira: A atuação nunca menos que primordial que ela entrega em “A Escolha de
Sofia”.
Por ela, Meryl venceu o Oscar de Melhor Atriz
em 1983, derrotando inclusive o fenomenal trabalho de Julie Andrews em “Victor ou Victoria”.
É muito justo.
A Sofia Zawistowska de Meryl Streep, no filme,
é alguém que conhecemos aos poucos. A narrativa se inicia pelo ponto de vista
do jovem Stingo (Peter MacNicol), um típico jovem em busca do sucesso como
escritor que muito lembra o protagonista de “Pergunte Ao Pó”, livro e filme. No
ano de 1947, Stingo, jovem e pouco conhecedor de todas as vastidões do mundo se
muda para uma hospedaria no bairro do Brooklyn, em Nova York, em busca de
sossego para escrever um livro baseado no pouco que conhece a fundo: Sua
própria vida.
Os moradores do andar de cima são um casal cujo
relacionamento parece turbulento: Sofia, uma imigrante polonesa que passou
pelos campos de concentração em Auschwitz, e Nathan (o sempre ótimo Kevin
Kline), um judeu eufórico, carismático, fascinante e passional.
Stingo se torna grande amigo deles e vê uma
nova e esplendorosa janela para o mundo se abrir. A medida que o filme avança,
o diretor (também roteirista) Alan J. Pakula flerta com as possibilidades do
filme: O título e sua primeira parte fazem supor que irá se tratar de um
triângulo amoroso –e a ‘escolha de Sofia’, por assim dizer, será entre um dos
dois homens, já que Stingo não tarda a deixar-se enamorar por ela; e tão
cativante, minuciosa e autêntica é a composição de Meryl que entendemos
plenamente o porque disso –aliás, a caracterização que ela faz aqui, uma das
mais admiráveis do cinema, deve ter sido a inspiração para Jessica Chastain em
“O Zoológico de Varsóvia”, os mesmos trejeitos no sotaque, a mesma modulação de
voz.
Embora narrador do filme e certamente os olhos
do público, Stingo é, de fato, um expectador de toda a história na maior parte
do tempo. Ele testemunha, inicialmente passivo, as atitudes bipolares de Nathan
em relação a Sofia e à ele próprio (num momento, é carinhoso, apaixonado e
leal, no outro, tem rompantes injustificáveis de desconfiança e de
agressividade), no entanto, apesar de no decorrer do filme, Stingo enxergar em
si mesmo um companheiro mais merecedor de Sofia do que o próprio Nathan, algo
sempre impele Sofia de volta para ele. Ela precisa de Nathan. E Nathan precisa
dela.
Sofia (como ficará claro na brilhante e
detalhada atuação de Meryl) sofreu tanto que não tem vontade de viver. É
Nathan, com sua sede de vida, que consegue restituir nela uma capacidade real
de sorrir e de seguir em frente.
E Nathan vê sua loucura interior ser aplacada
somente pelo amor incondicional de Sofia.
Aos poucos, conforme a amizade com Stingo se
aprofunda, tanto Sofia quanto Nathan terão os segredos que ocultam um do outro
revelados.
Nathan é esquizofrênico e Sofia... bem, Sofia
é, neste filme poderosamente comovente, um caso completamente à parte.
Quando a narrativa mergulha em suas próprias
revelações e o filme regressa ao período da ocupação nazista à Polônia, somos
pouco a pouco informados dos detalhes da vida pregressa de Sofia, na qual ela
tinha um marido (que logo morreu) e um casalzinho de filhos. É aí, quando Sofia
confidencia o acontecimento para Stingo num quarto de hotel onde ele se declara
para ela, que descobrimos, afinal, do que realmente se trata a ‘escolha de
Sofia’, naquela que deve ser uma das mais tristes cenas do cinema –são
cinqüenta e cinco segundos absolutamente dolorosos!
Apesar de não trazer a
mesma análise moral e histórica do livro de William Styron no qual se baseia,
este belo trabalho do diretor Pakula (talvez, o melhor dele), se impõe como um
dos grandes retratos já moldados sobre as conseqüências do nazismo,
abrilhantado e engrandecido pela presença sem igual de Meryl Streep cujo
talento consegue criar uma série de momentos contundentes que ficarão por muito
tempo na memória.
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