quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

A Escolha de Sofia

Acho que Meryl Streep já acumulou mais de vinte indicações ao Oscar –dessas, ganhou três –entretanto, por mais sensacionais que sejam os trabalhos pelos quais ela é lembrada nos últimos anos (como o divertido “O Diabo Veste Prada” ou “A Dama de Ferro”), nenhum, absolutamente nenhum deles se compara àquele que considero o melhor trabalho de toda sua carreira: A atuação nunca menos que primordial que ela entrega em “A Escolha de Sofia”.
Por ela, Meryl venceu o Oscar de Melhor Atriz em 1983, derrotando inclusive o fenomenal trabalho de Julie Andrews em “Victor ou Victoria”.
É muito justo.
A Sofia Zawistowska de Meryl Streep, no filme, é alguém que conhecemos aos poucos. A narrativa se inicia pelo ponto de vista do jovem Stingo (Peter MacNicol), um típico jovem em busca do sucesso como escritor que muito lembra o protagonista de “Pergunte Ao Pó”, livro e filme. No ano de 1947, Stingo, jovem e pouco conhecedor de todas as vastidões do mundo se muda para uma hospedaria no bairro do Brooklyn, em Nova York, em busca de sossego para escrever um livro baseado no pouco que conhece a fundo: Sua própria vida.
Os moradores do andar de cima são um casal cujo relacionamento parece turbulento: Sofia, uma imigrante polonesa que passou pelos campos de concentração em Auschwitz, e Nathan (o sempre ótimo Kevin Kline), um judeu eufórico, carismático, fascinante e passional.
Stingo se torna grande amigo deles e vê uma nova e esplendorosa janela para o mundo se abrir. A medida que o filme avança, o diretor (também roteirista) Alan J. Pakula flerta com as possibilidades do filme: O título e sua primeira parte fazem supor que irá se tratar de um triângulo amoroso –e a ‘escolha de Sofia’, por assim dizer, será entre um dos dois homens, já que Stingo não tarda a deixar-se enamorar por ela; e tão cativante, minuciosa e autêntica é a composição de Meryl que entendemos plenamente o porque disso –aliás, a caracterização que ela faz aqui, uma das mais admiráveis do cinema, deve ter sido a inspiração para Jessica Chastain em “O Zoológico de Varsóvia”, os mesmos trejeitos no sotaque, a mesma modulação de voz.
Embora narrador do filme e certamente os olhos do público, Stingo é, de fato, um expectador de toda a história na maior parte do tempo. Ele testemunha, inicialmente passivo, as atitudes bipolares de Nathan em relação a Sofia e à ele próprio (num momento, é carinhoso, apaixonado e leal, no outro, tem rompantes injustificáveis de desconfiança e de agressividade), no entanto, apesar de no decorrer do filme, Stingo enxergar em si mesmo um companheiro mais merecedor de Sofia do que o próprio Nathan, algo sempre impele Sofia de volta para ele. Ela precisa de Nathan. E Nathan precisa dela.
Sofia (como ficará claro na brilhante e detalhada atuação de Meryl) sofreu tanto que não tem vontade de viver. É Nathan, com sua sede de vida, que consegue restituir nela uma capacidade real de sorrir e de seguir em frente.
E Nathan vê sua loucura interior ser aplacada somente pelo amor incondicional de Sofia.
Aos poucos, conforme a amizade com Stingo se aprofunda, tanto Sofia quanto Nathan terão os segredos que ocultam um do outro revelados.
Nathan é esquizofrênico e Sofia... bem, Sofia é, neste filme poderosamente comovente, um caso completamente à parte.
Quando a narrativa mergulha em suas próprias revelações e o filme regressa ao período da ocupação nazista à Polônia, somos pouco a pouco informados dos detalhes da vida pregressa de Sofia, na qual ela tinha um marido (que logo morreu) e um casalzinho de filhos. É aí, quando Sofia confidencia o acontecimento para Stingo num quarto de hotel onde ele se declara para ela, que descobrimos, afinal, do que realmente se trata a ‘escolha de Sofia’, naquela que deve ser uma das mais tristes cenas do cinema –são cinqüenta e cinco segundos absolutamente dolorosos!
Apesar de não trazer a mesma análise moral e histórica do livro de William Styron no qual se baseia, este belo trabalho do diretor Pakula (talvez, o melhor dele), se impõe como um dos grandes retratos já moldados sobre as conseqüências do nazismo, abrilhantado e engrandecido pela presença sem igual de Meryl Streep cujo talento consegue criar uma série de momentos contundentes que ficarão por muito tempo na memória.

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