quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Suicide Club

Eis que, além de Takashi Miike, temos também Sion Sono, um esteta japonês tão transgressivo e ousado quanto o mestre que nos entregou “Audition”, “Gozu” e “Ichi-O Assassino” (dizem que até obras pornô Sono já realizou!).
No Brasil, seu filme mais conhecido é “Suicide Club”, intitulado aqui como “O Pacto” –e devem haver, pelo menos, outros dois filmes com esse título genérico.
Lançado em 2002, “Suicide Club” integra uma peculiar leva de filmes de suspense oriundos do Japão entre a segunda metade dos anos 1990 e a primeira dos anos 2000 que ponderavam –não sem um forte teor macabro –sobre os desdobramentos sociais e fatalistas das novas tecnologias que surgiam destituídos de soluções fáceis.
E o filme de Sono já começa estarrecedor: Numa estação, em meio à movimentação costumeira, um grupo numeroso de colegiais chega aparentando normalidade. Todas conversam descontraídas entre si, aparecem tão somente aguardar o metrô. Quando a locomotiva se aproxima, no entanto, elas se dão as mãos. Todas pulam nos trilhos, instantes antes de serem trucidadas pelas rodas.
Um suicídio coletivo.
A opinião pública fica chocada. A polícia não sabe o quê fazer. O detetive Kuroda (Ryo Ishibashi, de “Audition”) deseja investigar à fundo o ocorrido. Seus oficiais julgam ter sido apenas uma terrível fatalidade. Suposições apontam a possibilidade de um culto.
Mais mortes não demoram a acontecer: Duas enfermeiras, ambas saltando, sem mais nem menos, do prédio de um hospital; um novo grupo de estudantes –desta vez, em tom de deboche, mas nitidamente influenciado pelo primeiro –se jogam da cobertura do próprio colégio; um rapaz que se joga de seu apartamento (e cai em cima da melhor amiga, antes de morrer com a cabeça rachada contra a calçada!). As pistas que surgem –um site misterioso com a contagem de suicídios feita através de pontos no monitor, dois rolos extensos feitos de tiras de tamanho idênticos da pele dos suicidas, o misterioso “Morcego” que serve de informante à polícia por meio da internet –não parecem trazer qualquer luz ao mistério.
O Japão, como se sabe, é um dos lugares do mundo com o maior índice de suicídios em sua população.
Ao contrário do grande Michael Haneke (dos poucos cineastas contemporâneos que atreveu-se a refletir sobre esse tema em sua obra), em cujos trabalhos, como o magnífico “O Sétimo Continente”, a tentativa de compreender o incompreensível passa por uma observação apurada, assimétrica e imparcial da própria realidade, Sian Sono abastece seu trabalho com reflexos involuntários do cinema de terror japonês, sugerindo intervenções sobrenaturais, conspirações e outras maluquices que na angústia gradativa que contamina o filme se mostram pistas enganosas. O diretor até mesmo descarta seu protagonista em dado momento!
Tudo, entretanto, soa banal diante do registro que ele faz de seus personagens –sejam os protagonistas, sejam os figurantes que aparecem em poucas cenas (incluindo aí crianças!) –nos quais ele deposita a real fonte do horror que ele quer tratar e, para alguns, uma espécie de explicação para o que se passa: A visão algo romanceada, algo digna de certo reconhecimento que a cultura japonesa parece nutrir do ato do suicídio –quando ela não surge com essas características, o suicídio é visto, sobretudo, pelos jovens, com gracejo e ironia. Uma brincadeira sem importância à qual, por tédio, eles são capazes de aderir.
No leque de vastos detalhes que a proliferação de personagens e situações faz se abrir, a sua narrativa parece colocar a cultura pop como fonte das mazelas e alienações. As letras comiserativas de suas músicas aparentemente descontraídas. A postura tendenciosa de seus questionáveis ídolos juvenis.
Todas são peças de um quebra-cabeças. Não esperem, contudo, que ao fim Sion Sono caia na obviedade de revelar ao público uma imagem completa.

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