Eis que, além de Takashi Miike, temos também
Sion Sono, um esteta japonês tão transgressivo e ousado quanto o mestre que nos
entregou “Audition”, “Gozu” e “Ichi-O Assassino” (dizem que até obras pornô
Sono já realizou!).
No Brasil, seu filme mais conhecido é “Suicide
Club”, intitulado aqui como “O Pacto” –e devem haver, pelo menos, outros dois
filmes com esse título genérico.
Lançado em 2002, “Suicide Club” integra uma
peculiar leva de filmes de suspense oriundos do Japão entre a segunda metade
dos anos 1990 e a primeira dos anos 2000 que ponderavam –não sem um forte teor
macabro –sobre os desdobramentos sociais e fatalistas das novas tecnologias que
surgiam destituídos de soluções fáceis.
E o filme de Sono já começa estarrecedor: Numa
estação, em meio à movimentação costumeira, um grupo numeroso de colegiais
chega aparentando normalidade. Todas conversam descontraídas entre si, aparecem
tão somente aguardar o metrô. Quando a locomotiva se aproxima, no entanto, elas
se dão as mãos. Todas pulam nos trilhos, instantes antes de serem trucidadas
pelas rodas.
Um suicídio coletivo.
A opinião pública fica chocada. A polícia não
sabe o quê fazer. O detetive Kuroda (Ryo Ishibashi, de “Audition”) deseja
investigar à fundo o ocorrido. Seus oficiais julgam ter sido apenas uma
terrível fatalidade. Suposições apontam a possibilidade de um culto.
Mais mortes não demoram a acontecer: Duas
enfermeiras, ambas saltando, sem mais nem menos, do prédio de um hospital; um
novo grupo de estudantes –desta vez, em tom de deboche, mas nitidamente
influenciado pelo primeiro –se jogam da cobertura do próprio colégio; um rapaz
que se joga de seu apartamento (e cai em cima da melhor amiga, antes de morrer
com a cabeça rachada contra a calçada!). As pistas que surgem –um site
misterioso com a contagem de suicídios feita através de pontos no monitor, dois
rolos extensos feitos de tiras de tamanho idênticos da pele dos suicidas, o
misterioso “Morcego” que serve de informante à polícia por meio da internet
–não parecem trazer qualquer luz ao mistério.
O Japão, como se sabe, é um dos lugares do
mundo com o maior índice de suicídios em sua população.
Ao contrário do grande Michael Haneke (dos
poucos cineastas contemporâneos que atreveu-se a refletir sobre esse tema em
sua obra), em cujos trabalhos, como o magnífico “O Sétimo Continente”, a
tentativa de compreender o incompreensível passa por uma observação apurada,
assimétrica e imparcial da própria realidade, Sian Sono abastece seu trabalho
com reflexos involuntários do cinema de terror japonês, sugerindo intervenções
sobrenaturais, conspirações e outras maluquices que na angústia gradativa que
contamina o filme se mostram pistas enganosas. O diretor até mesmo descarta seu
protagonista em dado momento!
Tudo, entretanto, soa banal diante do registro
que ele faz de seus personagens –sejam os protagonistas, sejam os figurantes
que aparecem em poucas cenas (incluindo aí crianças!) –nos quais ele deposita a
real fonte do horror que ele quer tratar e, para alguns, uma espécie de
explicação para o que se passa: A visão algo romanceada, algo digna de certo
reconhecimento que a cultura japonesa parece nutrir do ato do suicídio –quando
ela não surge com essas características, o suicídio é visto, sobretudo, pelos
jovens, com gracejo e ironia. Uma brincadeira sem importância à qual, por
tédio, eles são capazes de aderir.
No leque de vastos detalhes que a proliferação
de personagens e situações faz se abrir, a sua narrativa parece colocar a
cultura pop como fonte das mazelas e alienações. As letras comiserativas de
suas músicas aparentemente descontraídas. A postura tendenciosa de seus
questionáveis ídolos juvenis.
Todas são peças de um
quebra-cabeças. Não esperem, contudo, que ao fim Sion Sono caia na obviedade de
revelar ao público uma imagem completa.
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