William Shakespeare não era necessariamente uma
novidade na filmografia de Julie Taymor (de “Across The Universe”) –muito antes
ela havia se aventurado numa versão musical e lisérgica de “Titus”, com Anthony
Hopkins –isso explica, talvez, o fato dela ter abordado a junção de ambições,
revanches, traições e magia que compõem a trama passada numa ilha mediterrânea
com um revisionismo tal que –sinal dos tempos –mudou o sexo de seu
protagonista.
Se antes o personagem principal Prospero era
homem (e chegou a ser interpretado por John Gielgud e Peter Fonda em outras
versões), agora é convertido numa mulher, Prospera (que ganha assim a
excelência de Helen Mirren).
Outrora a Duquesa de Milão, Prospera foi
exilada numa ilha do mediterrâneo devido às maquinações conspiratórias de seu
irmão, Antonio (Chris Cooper) e de outros membros da corte de Nápoles, como o
próprio rei (David Strathairn) e seu irmão invejoso (Alan Cumming).
Ao mover sua vingança munida de forças
sobrenaturais, Prospera se revela então um reflexo do próprio Shakespeare:
Abandonada na ilha, junto de seus livros e da própria filha, Miranda (Felicity
Jones, linda), ela desenvolve poderes com os quais controla o destino dos
incautos viajantes –tal e qual o próprio escritor o faz com os personagens à
disposição de sua trama.
Auxiliada pelo subserviente espírito Ariel (Ben
Wisham), Prospera conjura uma tempestade com a qual consegue fazer naufragar na
ilha um navio trazendo todos os seus antagonistas –e deles faz gato-sapato.
Como em “Titus”, a diretora Taymor imprime um
senso visual colorido e surreal à trama, remetendo a uma artificialidade dos
palcos de teatro potencializada com efeitos especiais de última geração e
trucagens de câmera que buscam romper com qualquer predisposição tediosa do
enredo. Nesse sentido, Julie Taymor, apesar de uma ou outra opção estética de
gosto discutível, revela um entendimento de Shakespeare muito mais apurado do
que, por exemplo, o jovem diretor Justin Kurzel e sua equivocada versão de
“MacBeth”: Ela compreende que, vertidas para cinema, as tragédias de
Shakespeare devem agregar em seu material as ferramentas que o cinema tem –o
esplendor visual, a montagem inquieta e instigante, os atores capazes de
hipnotizar a câmera (aqui não apenas estão as maravilhosas Helen Mirren e
Felicity Jones, como também os incontroláveis Alfred Molina e Russel Brand).
Além disso, existem também as cenas de Ariel
convertido aqui num ser etéreo e abstrato, na boca do qual Taymor deposita
versos declamados em versões musicadas, e o monstruoso Caliban (Djimon Houson,
de “A Ilha” e “Gladiador”) envolto numa maquiagem pesada e desconcertante.
Ainda que mais amena e não tão propensa ao
experimentalismo e à transgressão, a versão de Julie Taymor bebe um pouco da
fonte de Peter Greenaway e sua versão ultra-estilizada, “A Última Tempestade”,
em suas singulares peripécias visuais e sua profusão de cores e imagens
exuberantes a emoldurar o trabalho de um elenco empenhado e apaixonado.
Ótimo cinema a ser
usufruído, entretanto, por públicos específicos.
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