Entre tantos filmes, um dos mais apreciados
pelo público do diretor Blake Edwards e da estrela Audrey Hepburn, “Bonequinha
de Luxo” é um grande exemplo da capacidade que o cinema tem de transfigurar a
realidade a ponto de idealizá-la, de atrelar encanto e inocência ao quê, na
teoria, seria despojado e mundano.
Maior prova disso é a própria protagonista do
filme, Holly Golightly (Audrey Hepburn, que além de tudo encanta tremendamente
no papel). Não ficam muito claras, na narrativa de Edwards, quais são as
ocupações de Holly –ela aparece chegando ao seu apartamento com o sol nascendo,
já na primeira cena, dando a entender que ela ‘trabalha’ de noite e descansa de
dia. O quê fica bem claro ao expectador é o poder sedutor do charme da personagem
(e com uma atriz como Audrey isso já é meio caminho andado), sua descontraída
propensão para fazer e estar em festas, e a atmosfera inescapavelmente
romântica que a envolve e que define todo o filme.
Está aí, portanto, nas insinuações iniciais,
tudo o quê “Bonequinha de Luxo” será –e não será! –nas próximas duas horas de
duração: Uma comédia romântica, refinada e elegante, não muito engajada com as
definições de realidade presentes no livro de Truman Capote no qual se inspira,
mas absolutamente condizente com o estilo hollywoodiano de filme que abraça, e
que tem na própria atriz Audrey Hepburn uma de suas representações visuais mais
poderosas.
Holly Golightly é, pois, uma espécie de garota
de programa, embora o filme use a dualidade e a ambigüidade para fugir o máximo
possível dessa constatação (e uma grande parcela dos fãs do filme também tenha
relativo repudio em admitir isso).
Logo no início conheceremos a outra contraparte
do par romântico do filme, Paul Varjak (George Peppard, vivendo um personagem
caracterizado à imagem e semelhança do autor, Truman Capote que, à época poucos
sabiam, era homossexual).
Paul é um jovem recém-chegado à metrópole com
sonhos de ser grande escritor e trabalha, também ele, como garoto de programa.
No entanto, a direção de Edwards usa de um admirável jogo de cintura para não
tornar isso evidente, mesmo quando, no decurso da gradual consolidação de seu
romance com Holly, Paul vai se deparando com evidências contundentes de que ela
está longe de ser apenas mocinha sonhadora e cativante que aparentava, como o
interiorano que surge afirmando ser o marido dela –que num arremedo de suspense
a narrativa sugere dubiamente ser uma mentira (o quê não é) –e algumas atitudes
da própria Holly ao mostrar-se melindrosa, difícil e dissimulada em inúmeros
momentos.
Tivesse outro diretor à frente dessa adaptação
ou fosse, mesmo assim, realizada em um outro tempo, “Bonequinha de Luxo” –esse
título em português dá uma ligeira pista das verdades ocultas em sua premissa
–haveria de ser um filme bastante diferente do que é. Mais orgânico. Mais sujo
e sórdido. Certamente mais propenso às incorreções políticas do mundo cão do
quê a um viés de romance hollywoodiano –essa tendência no cinema americano
começou a aflorar logo depois, no fim daquela mesma década de 1960, com obras
como “Perdidos Na Noite”.
O diretor Blake Edwards, todavia, sempre foi um
entusiasta e um aficcionado pelo bom e velho cinema à moda antiga, com valores
bem comportados, belíssima encenação e diversos outros elementos que compunham
um filtro mais idealizado e mais romantizado da realidade destituída de
segundas intenções. Características muito visíveis em seu cinema, mesmo aqueles
exemplares mais posteriores que atravessaram, indiferentes, fases de
transformação como a Nova Hollywood nos anos 1970 ou a ascensão dos filmes
descerebrados de ação nos anos 1980.
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