Para o roteirista Andrew Niccol a fama veio
pelo roteiro de “O Show de Truman”, estrelado por Jim Carrey e dirigido pelo
australiano Peter Weir, mas Niccol sempre foi um autor completo, inclusive
encarando também a direção de suas obras, como foi o caso de “Gattaca”, lançado
um ano antes de “Truman”.
Há um visível paralelo a ser estabelecido entre
esses dois filmes e os demais que integram sua filmografia; que incluem
“S1mone”, “O Senhor das Armas” e “O Preço do Amanhã”.
Todos, de uma forma ou de outra, versam sobre a
manipulação da vida, sobre as mazelas que o artificialismo pode impor à
condição humana e, de uma certa maneira, essa postura aproxima seu cinema de um
estilo de pesadelo pós-moderno que remete, em muitos aspectos, à obra literária
do escritor Phillip K. Dick.
É sintomático, portanto, que “Gattaca” seja uma
ficção científica.
O futuro que Andrew Niccol materializa em seu
filme é esteticamente monocromático, estéril e impessoal, as pessoas não
manifestam –e, por vezes, nem mesmo têm –sentimentos, e a própria tecnologia
(predominante na questão genética) já fez das trajetórias humanas algo
pré-determinado: Nesse futuro, os nascimentos não ocorrem por meio de concepção
natural, são em sua maioria bebês gerados em laboratório com aprimoramento
genético fazendo deles mais forte, mais inteligentes, mais saudáveis e, no
instante do nascimento, com sua aptidão futura já definida em seu DNA.
As crianças nascidas de maneira normal são os
chamados “filhos da fé” e por carregarem as imperfeições inerentes à natureza
sofrem discriminação.
“Gattaca” é, pois, a história de Vincent (Ethan
Hawke) um desses “filhos da fé” –ele sofreu desde pequeno a comparação com o
irmão mais novo, este sim, gerado em laboratório e fonte de orgulho para os
pais. Até o dia em que disse basta e saiu de casa em busca de seu sonho:
Tornar-se astronauta e ir para o espaço.
O problema é que tal ofício é restrito aos
aprimorados geneticamente, deixando Vincent de fora. A saída é apelar para a
clandestinidade: Vincent faz um arranjo com negociadores de uma espécie de
mercado negro e se propõe a protagonizar uma arriscada e arrojada farsa. Ele
passa a dividir sua morada com o aprimorado Jerome (Jude Law, num dos papéis que
o revelaram), que um acidente deixou em cadeira de rodas, e após uma série de
pequenas cirurgias, fica com o aspecto físico, a altura e o peso idênticos aos
dele.
A jogada é que, nesse mundo automatizado onde os
fios de cabelo, os resquícios de pele e até a urina coletada servem de
registros de identidade, Vincent pode se passar por Jerome, usando seus
vestígios genéticos, e enganar a todos, para que o considerem um aprimorado e
permitam que ingresse na Corporação Gattaca, onde poderá viajar ao espaço.
A armação de Vincent e Jerome funciona
maravilhosamente bem –tão bem que, Vincent até arrisca envolver-se com a linda
e aprimorada Irene Cassini (Uma Thurman) –até que ocorre um assassinato dentro
da corporação, e as investigações movidas pelos detetives Hugo (Alan Arkin,
sempre sensacional) e Anton (Loren Dean) apontam para a possibilidade de um
não-aprimorado estar entre eles e ser, além de tudo, autor do crime.
Imprimindo ao seu filme um ritmo
deliberadamente lento e um distanciamento que, na opinião de alguns, obstrui o
envolvimento do expectador com os personagens, o diretor Andrew Niccol faz de
“Gattaca” um exemplar de ficção científica em seus termos mais radicais e
espartanos –uma obra brilhante de fantasia que reflete as inquietações do mundo
real por meio da construção estupenda de um futuro provável e engenhoso.
Um grande e fascinante
trabalho que merecia ser mais conhecido do público.
Nenhum comentário:
Postar um comentário