terça-feira, 27 de março de 2018

Gattaca - A Experiência Genética

Para o roteirista Andrew Niccol a fama veio pelo roteiro de “O Show de Truman”, estrelado por Jim Carrey e dirigido pelo australiano Peter Weir, mas Niccol sempre foi um autor completo, inclusive encarando também a direção de suas obras, como foi o caso de “Gattaca”, lançado um ano antes de “Truman”.
Há um visível paralelo a ser estabelecido entre esses dois filmes e os demais que integram sua filmografia; que incluem “S1mone”, “O Senhor das Armas” e “O Preço do Amanhã”.
Todos, de uma forma ou de outra, versam sobre a manipulação da vida, sobre as mazelas que o artificialismo pode impor à condição humana e, de uma certa maneira, essa postura aproxima seu cinema de um estilo de pesadelo pós-moderno que remete, em muitos aspectos, à obra literária do escritor Phillip K. Dick.
É sintomático, portanto, que “Gattaca” seja uma ficção científica.
O futuro que Andrew Niccol materializa em seu filme é esteticamente monocromático, estéril e impessoal, as pessoas não manifestam –e, por vezes, nem mesmo têm –sentimentos, e a própria tecnologia (predominante na questão genética) já fez das trajetórias humanas algo pré-determinado: Nesse futuro, os nascimentos não ocorrem por meio de concepção natural, são em sua maioria bebês gerados em laboratório com aprimoramento genético fazendo deles mais forte, mais inteligentes, mais saudáveis e, no instante do nascimento, com sua aptidão futura já definida em seu DNA.
As crianças nascidas de maneira normal são os chamados “filhos da fé” e por carregarem as imperfeições inerentes à natureza sofrem discriminação.
“Gattaca” é, pois, a história de Vincent (Ethan Hawke) um desses “filhos da fé” –ele sofreu desde pequeno a comparação com o irmão mais novo, este sim, gerado em laboratório e fonte de orgulho para os pais. Até o dia em que disse basta e saiu de casa em busca de seu sonho: Tornar-se astronauta e ir para o espaço.
O problema é que tal ofício é restrito aos aprimorados geneticamente, deixando Vincent de fora. A saída é apelar para a clandestinidade: Vincent faz um arranjo com negociadores de uma espécie de mercado negro e se propõe a protagonizar uma arriscada e arrojada farsa. Ele passa a dividir sua morada com o aprimorado Jerome (Jude Law, num dos papéis que o revelaram), que um acidente deixou em cadeira de rodas, e após uma série de pequenas cirurgias, fica com o aspecto físico, a altura e o peso idênticos aos dele.
A jogada é que, nesse mundo automatizado onde os fios de cabelo, os resquícios de pele e até a urina coletada servem de registros de identidade, Vincent pode se passar por Jerome, usando seus vestígios genéticos, e enganar a todos, para que o considerem um aprimorado e permitam que ingresse na Corporação Gattaca, onde poderá viajar ao espaço.
A armação de Vincent e Jerome funciona maravilhosamente bem –tão bem que, Vincent até arrisca envolver-se com a linda e aprimorada Irene Cassini (Uma Thurman) –até que ocorre um assassinato dentro da corporação, e as investigações movidas pelos detetives Hugo (Alan Arkin, sempre sensacional) e Anton (Loren Dean) apontam para a possibilidade de um não-aprimorado estar entre eles e ser, além de tudo, autor do crime.
Imprimindo ao seu filme um ritmo deliberadamente lento e um distanciamento que, na opinião de alguns, obstrui o envolvimento do expectador com os personagens, o diretor Andrew Niccol faz de “Gattaca” um exemplar de ficção científica em seus termos mais radicais e espartanos –uma obra brilhante de fantasia que reflete as inquietações do mundo real por meio da construção estupenda de um futuro provável e engenhoso.
Um grande e fascinante trabalho que merecia ser mais conhecido do público.

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