O gênero faroeste se achava numa circunstância
estranha durante a transição das décadas de 1960 para 70. A produção
norte-americana, tão prolífica e abundante duas décadas antes minguava e os
europeus, impulsionados pela fórmula vigorosa e palpitante fornecida por Sergio
Leone e Sergio Corbucci, realizavam seus próprios exemplares de um gênero que
adoravam, mas que seus realizadores originais, os americanos, começavam a
relegar.
Esse cenário define muitas das peculiaridades
de “Hannie Caulder”.
Embora todas as suas orientações remetessem ao
faroeste clássico dos tempos de John Wayne, o diretor Burt Kennedy –dos poucos
artesãos americanos que insistia nesse gênero naqueles tempos –moldou, meio que
guiado pelas condições, uma nova espécie de faroeste, com influências e
recursos europeus, que veio a ser precursor do infame sub-gênero dos anos 1970
de “Rape & Revenge” –aquele no qual uma mulher é estuprada e passa o filme
a perseguir seus algozes na intenção de concretizar sua vingança.
Na inovação de nomear uma mulher como
protagonista dessa vendeta –e de fazê-la assim o centro de sua ação –o filme
faz mais do que honrar faroestes clássicos com protagonistas femininas (como
“Johnny Guitar”), ele serve de base para o referencial “Kill Bill”, de Quentin
Tarantino, também ele debruçado sobre a vingança de uma mulher.
Aqui, a mulher em questão –e personagem-título
–vem a ser interpretada pela espetacular Rachel Welch vinda de produções como o
também faroeste “100 Rifles” e “Mil Anos Antes de Cristo”, cujo caminho para o
estrelato já apontava para um filme como este.
Ela é Hannie, que tem o infortúnio de cruzar o
caminho dos irmãos malfeitores Em (Ernest Borgnine), Frank (Jack Elam, de “EraUma Vez No Oeste”) e Rufus (Strother Martin) no percurso de um sem fim de
crimes. Vindos de um assalto a banco caótico e desajeitado –ilustrado na
primeira e sangrenta cena –eles estão a caminho de outras malfeitorias mais, e
então acham o rancho de Hannie e seu marido.
Ele, os bandidos matam. Ela, eles estupram e
deixam para morrer dentro da casa em chamas.
Mas, Hannie sobrevive vestida somente com um
poncho –e aí começa a função da bela Rachel Welch de objeto de contemplação de
narrativa que seguirá assim até quase metade do filme: A câmera de Kennedy,
ainda que nada vulgar, não tem pudor em verificar que Rachel não usa nada por
baixo do poncho!
Nessas condições precárias ela encontra o pouco
usual caçador de recompensas Thomas Luther Price (Robert Culp, fantástico, num
personagem que serviu de ampla inspiração para Tarantino e o ator Christoph
Waltz comporem o Dr. Schultz, de “Django Livre”).
Após um período de insistência dela, Price
concorda em ensiná-la a manejar armas e
a ajudá-la a encontrar os homens que acabaram com sua vida.
Se há algo de curioso em “Hannie Caulder-Desejo
de Vingança” são pelo menos duas de suas participações especiais: Uma a de
Christopher Lee, em meio ao auge de sua contribuição como Drácula na produtora
Hammer, fazendo aquele que é lembrado como seu único faroeste; e, mais
intrigante, a de Stephen Boyd (o Messala do “Ben-Hur” clássico) num papel
rápido, porém, marcante de um pistoleiro calado (não dá um pio o filme inteiro)
todo vestido de preto e cercado de uma atmosfera misteriosa –ele aparece
durante o treinamento que Price presta a Hannie, dando a entender que será uma
aparição sem sentido, e então ressurge, num momento fundamental no desfecho do
filme.
Sua participação está aberta à toda sorte de
interpretação do expectador: Um padre pistoleiro?! Um caçador de recompensas
metódico? Um anjo da morte? Um fantasma da vingança?
O filme de Kennedy não
responde e nem quer responder a isso, no lugar, ele busca fazer o básico: Dar a
sua protagonista uma trajetória sólida com começo, meio e fim. Tal e qual os
grandes artesões do gênero o fariam.
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