quinta-feira, 3 de maio de 2018

A Noite Americana

Outrora um crítico de cinema (da prestigiada “Cahiers do Cinema”) tornado depois cineasta em meio ao movimento da Nouvelle Vague, o diretor François Truffaut era daqueles realizadores cuja paixão pelo cinema emanava a cada trabalho.
Natural que uma de suas mais conhecidas obras (e aquela pela qual conquistou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro) venha ser assim um filme de metalinguagem, de abordagem tão ou mais pessoal que aquela que Federico Fellini usou em “8 e ½” –sem sombra de dúvidas, a grande influência para este projeto!
Se em seu filme Fellini disfarçava seu carinho e seu humanismo com uma certa ironia, Truffaut não esconde nem um pouco seu afeto: Ele escala a si mesmo no papel daquele que aparentemente é o protagonista, o diretor do filme, a respeito de cuja realização toda a trama irá girar. Mas, o diretor vivido por Truffaut, embora um reflexo absoluto do próprio Truffaut (há durante o filme até mesmo uma cena de lembrança em que ele, garotinho, rouba fotos dos filmes de um cinema) inúmeras vezes é deixado de lado em prol de outros personagens que ganham importância a medida que a narrativa, episódica, esmiúça várias situações aqui e ali em torno das complicações de se realizar um filme.
Personagens como Valentina Cortese (merecidamente indicada ao Oscar de Atriz Coadjuvante), no papel de uma atriz assolada por um ataque de nervos iminente devido ao fato constrangedor de tropeçar o tempo todo em falas inesperadas do roteiro, ou confundir-se com as marcações adequadas da cena.
E, mais à frente e mais especialmente, Jacqueline Bisset, no esplêndido papel da estrela principal que, inicialmente vista com desconfiança pela equipe que tem de dar conta dos estrelismos de seus atores e atrizes, se torna crucial para o desenrolar da trama e, perto do fim, mostra maleabilidade para fazer o que for preciso para o filme ser concluído.
No carinho e na leveza incondicionais que Truffaut atribui mesmo aos acontecimentos mais tensos, o público corre o risco real de deixar escapar assim algumas denuncias, piscadelas e detalhes pertinentes que ele parece apontar em torno de um processo artístico que envolve também todas as imbricações de um indústria, a fogueira das vaidades do show buziness e a via de mão dupla moral que infelizmente pode existir em todo e qualquer ofício.

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