sexta-feira, 4 de maio de 2018

Chaplin

Durante muito tempo o cinema flertou com uma possibilidade inevitável: Um filme sobre a vida do intrépido Charles Chaplin –realizador que pode ser considerado uma das poucas figuras históricas que ilustra o próprio cinema.
Veio a ser o diretor Richard Attenborough (de "Gandhi"), amigo pessoal da família Chaplin, quem assumiu esse acalentado projeto, esforçando-se em concentrar, num riquíssimo filme de cento e quarenta e oito minutos, os aspectos de uma vida desigual que renderia fácil uma dezena de filmes –para tanto, ele inspirou-se em “My Life”, a autobiografia de Charles Chaplin (há cenas nas quais o personagem fictício, interpretado por Anthony Hopkins, rememora a trajetória dele para a realização da obra) e na biografia “Chaplin, His Life And Art”, escrita pelo pesquisador David Robinson.
A estrutura narrativa do filme assim dá ênfase ao fato de que o caminho trilhado por Chaplin é paralelo ao do próprio cinema no século XX, pontuada, no entanto, pelas influências –sejam elas inspiradoras ou destrutivas –das mulheres que passaram pela vida do protagonista.
Dessa forma, Attenborough inicia seu filme ainda na infância pobre repleta de correrias e privações em Londres, em meio à qual os realizadores acreditam estar a gênese para as motivações e o comportamento que Charles apresentou ao longo da vida; em especial, o caráter lúdico que deu a seus filmes.
Quando o filme avança para mostrar Charles em sua juventude –em meio às apresentações nos palcos de valdeville londrinos –é quando somos introduzidos ao ator extraordinário que dá vida à Charles Chaplin: Robert Downey Jr. (hoje, unanimemente conhecido como intérprete do “Homem de Ferro”) que foi merecidamente indicado ao Oscar de Melhor Ator por este trabalho.
O talento irrestrito de Charles não tarda a levá-lo a migrar para a América, onde é contratado como figurante pelo produtor Mack Sennett (Dan Aykroyd), entretanto, a criatividade pulsante e independente de Charles o leva a trilhar um caminho próprio como realizador (bem como à criação de seu mais célebre e simbólico personagem, Carlitos, o vagabundo) culminando em sua consagração como gênio do cinema na América, onde criou filmes que alegraram e emocionaram milhões.
O terço final do filme mostra a textura inusitadamente política apontada nas atitudes de Charles como quando se recusou a aderir ao cinema falado, e a celeuma levantada até mesmo à revelia dele quando lançou o maravilhoso “O Grande Ditador”. Fatos que estranhamente lhe renderam amigos e inimigos –sendo os mais insidiosos e marcantes o promotor Joseph Scott (James Woods) e o chefe do FBI, J. Edgar Hoover (Kevin Dunn), que o investigaram, caluniaram e perseguiram até obter sua extradição dos EUA, em 1952.
Para só voltar vinte anos depois, quando recebeu um Oscar honorário na breve e emocionante seqüência que encerra o filme.
Como mencionado acima, as companheiras de Charles definem muito de quem ele se torna e dos rumos que sua vida toma: O primeiro (e relativamente trágico) amor, a bailarina Hetty Kelly vivida por Moira Kelly; a primeira mulher Mildred Harris (Milla Jovovich, não somente antes da franquia “Resident Evil” como antes até mesmo de “O Quinto Elemento”); a atriz Paulette Goddard (Diane Lane) que também se envolveu com ele; a problemática Joan Barry (Nancy Travis); e a última esposa Oona (novamente interpretada por Moira Kelly, num recurso que proporciona à trama uma espécie de circularidade afetiva).
Se a direção de Attenborough, ainda que cheia de propriedade, não escapa de um tom solene e deslumbrado, o seu filme é emoldurado numa brilhante atuação de Robert Downey Jr, que confere humanidade, solidez e ares genuinamente comoventes à um personagem desafiador e intimidante para qualquer ator.

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