sexta-feira, 4 de maio de 2018

O Leopardo

Na direção tão refinada quanto suntuosa de Luchino Visconti para este espetacular trabalho não deixam de escapar detalhes da mais fina ironia: É freqüente a forma como os modos de Angélica (uma Claudia Cardinale absolutamente estonteante) chocam os seus futuros parentes, oriundos da família aristocrata e elitista de seu noivo, Tancredi (Alain Delon).
A mudança –e suas conseqüências –se faz necessária para que as coisas continuem na harmonia em que estão, é o que conclui o magistral protagonista da obra, o príncipe siciliano Fabrizio Salina, interpretado com a verve sempre impecável do sensacional Burt Lancaster.
Dos poucos a compreender intrinsecamente as fissuras existenciais entre a ideologia socialista e os nostálgicos valores providos de seu berço burguês, Visconti era o realizador perfeito para transpor para cinema esta versão do clássico literário italiano escrito por Giuseppe Tommasi, duque de Palma e Montechiaro, príncipe de Lampedusa.
Há uma simbiose de entendimento rara entre o diretor e o personagem principal na maneira com que a dramaturgia absorve suas impressões acerca da irreversível transformação do mundo que sua classe assiste.
A nobreza como ela era conhecida tem seus dias contados, e Fabrizio Salina compreende isso na contemplação quase filosófica que ele faz na lenta agonia que testemunha a aristocracia sofrer à sua volta. Uma nova classe emergente, ele sabe, está vindo substituí-la. Os novos ricos. Os burgueses ascendentes.
A década de 1860 de então sinaliza com essa unificação da Itália, e Fabrizio move seus recursos para arranjar o casamento entre Tancredi e Angélica, filha do emergente novo rico Don Calogero (cerimônia esta encenada com magnitude e esplendor ao longo de todo o formidável terço final do filme). A união de um berço tradicional com uma estabilidade garantida em meio às mudanças profundas é o único meio de garantir um futuro à sua classe e à sua família, mas não significa que Visconti não contemplará esse esmorecer em todas as suas tintas intimistas.
Uma crônica sobre morte e renascimento de todo um status quo conduzida por Luchino Visconti com primorosa percepção de arte e beleza, e com o intelectualismo e a densidade que costumam fazer dele o diretor celebrado e elitista que é.

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