terça-feira, 15 de maio de 2018

Europa


Em filmes como este, o Lars Von Trier do início dos anos 1990 se revela muito mais interessante do que aquele que depois se aventurou nas presepadas ideológicas do Dogma 95 –e que, depois disso, se dedicou tanto a chocar público e crítica que virou persona non grata.
Há inventividade já no princípio de Europa: Enquanto passam os trilhos de trem, a narração grave de Max Von Sydow sugere uma sessão de hipnotismo ao expectador: Numa contagem até dez, ele propõe uma imersão na realidade que o filme de Von Trier retratará.
É 1945. Na Alemanha, a Segunda Guerra Mundial é muito mais que um acontecimento recente; é uma assombração que paira no subconsciente de todo aquele povo na forma de culpa, frustração e amargura.
O jovem Leopold Kessler (Jean Marc Baar, de “Imensidão Azul”) é um americano de ascendência alemã que optou por ir à Alemanha para prestar ajuda.
Ele quer ajudar o país a se reerguer.
E, como estamos habituados no cinema de Von Trier, as boas intenções estão fadadas a colidir com a solidez e a aspereza da realidade.
Kessler passa a trabalhar como condutor de trem sob a vigilância implicante, rude e injusta de seu tio paterno (Ernest-Hugo Jaregard). O trânsito por toda Alemanha que esse ofício permite faz dele testemunha da carência social e existencial de um país arruinado pela guerra –e o registro dessa condição, na estilização contundente de Von Trier, se dá por meio de uma certa idealização da miséria: Como em outros trabalhos realizados antes, Von Trier jamais se acomoda com as ferramentas de linguagem de que dispõe transformando “Europa” numa experiência sensorial. Ele justapõe cenas em panos de fundo que se transformam, ou que viram meras palavras, e alterna preto & branco com cores valendo-se de propósitos nebulosos, porém sempre intrigantes.
Seriam as inserções de cor na narrativa indícios de um momento feliz? Ou estão ali para sublinhar trechos relevantes? Como quando Kessler conhece, num vagão, a bela e enigmática Kate (Bárbara Sukowa) que revela, mais tarde, não só seus sentimentos por ele, como também ser a filha do proprietário da Zentropa, a empresa ferroviária em que Kessler trabalha.
É Kate quem representará um ponto de desequilíbrio na convicção solícita e idealista com a qual Kessler enxerga a situação da Alemanha separando –com o mesmo radicalismo presente na predominante fotografia em preto & branco –aqueles que ele considera os bons dos maus (os chamados ‘Lobisomens’, um grupo de dissidentes de ações terroristas), e os que ele considera os oprimidos dos opressores.
Von Trier escolhe abrir os olhos de seu protagonista da forma mais cruel possível: Sufocando lenta e paulatinamente cada um de seus ideais e de suas certezas, e conduzindo –numa habilidade que tem por mérito estender esses efeitos até o expectador –na direção de um final desconcertante.

Nenhum comentário:

Postar um comentário