Em filmes como este, o Lars Von Trier do início
dos anos 1990 se revela muito mais interessante do que aquele que depois se
aventurou nas presepadas ideológicas do Dogma 95 –e que, depois disso, se
dedicou tanto a chocar público e crítica que virou persona non grata.
Há inventividade já no princípio de Europa:
Enquanto passam os trilhos de trem, a narração grave de Max Von Sydow sugere
uma sessão de hipnotismo ao expectador: Numa contagem até dez, ele propõe uma
imersão na realidade que o filme de Von Trier retratará.
É 1945. Na Alemanha, a Segunda Guerra Mundial é
muito mais que um acontecimento recente; é uma assombração que paira no
subconsciente de todo aquele povo na forma de culpa, frustração e amargura.
O jovem Leopold Kessler (Jean Marc Baar, de
“Imensidão Azul”) é um americano de ascendência alemã que optou por ir à
Alemanha para prestar ajuda.
Ele quer ajudar o país a se reerguer.
E, como estamos habituados no cinema de Von
Trier, as boas intenções estão fadadas a colidir com a solidez e a aspereza da
realidade.
Kessler passa a trabalhar como condutor de trem
sob a vigilância implicante, rude e injusta de seu tio paterno (Ernest-Hugo
Jaregard). O trânsito por toda Alemanha que esse ofício permite faz dele
testemunha da carência social e existencial de um país arruinado pela guerra –e
o registro dessa condição, na estilização contundente de Von Trier, se dá por
meio de uma certa idealização da miséria: Como em outros trabalhos realizados
antes, Von Trier jamais se acomoda com as ferramentas de linguagem de que
dispõe transformando “Europa” numa experiência sensorial. Ele justapõe cenas em
panos de fundo que se transformam, ou que viram meras palavras, e alterna preto
& branco com cores valendo-se de propósitos nebulosos, porém sempre intrigantes.
Seriam as inserções de cor na narrativa
indícios de um momento feliz? Ou estão ali para sublinhar trechos relevantes?
Como quando Kessler conhece, num vagão, a bela e enigmática Kate (Bárbara
Sukowa) que revela, mais tarde, não só seus sentimentos por ele, como também
ser a filha do proprietário da Zentropa, a empresa ferroviária em que Kessler
trabalha.
É Kate quem representará um ponto de
desequilíbrio na convicção solícita e idealista com a qual Kessler enxerga a
situação da Alemanha separando –com o mesmo radicalismo presente na
predominante fotografia em preto & branco –aqueles que ele considera os
bons dos maus (os chamados ‘Lobisomens’, um grupo de dissidentes de ações
terroristas), e os que ele considera os oprimidos dos opressores.
Von Trier escolhe abrir os
olhos de seu protagonista da forma mais cruel possível: Sufocando lenta e
paulatinamente cada um de seus ideais e de suas certezas, e conduzindo –numa
habilidade que tem por mérito estender esses efeitos até o expectador –na
direção de um final desconcertante.
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