Resident Evil-O Hóspede Maldito
Uma das mais controversas adaptações de
videogame para cinema (na medida em que possui tantos admiradores quanto detratores),
a Saga “Resident Evil”, a despeito de uma discussão perene acerca das reais
aplicações de suas qualidades como cinema, permanece um corpo conceitual único
pela forma quase independente com que sua mitologia abilolada adquiriu vida
própria nas telas, afastando-se completamente da fidelidade aos conceitos do
jogo original e singrando por um caminho tão imprevisível quanto improvável.
Ao dar início, num já longínquo 2002, ao
enrolado novelo de lã que constitui o enredo da saga como um todo, este
primeiro filme de “Resident Evil” se esgueira de uma condição constante nos
videogames para assumir sua primeira decisão como narrativa: Ele possui uma
protagonista.
Ela é Alice (personagem ausente nos jogos cuja
nomenclatura remete ao conto de Lewis Caroll e ao leque variado de hostilidades
além da imaginação que vão vir).
Ela acorda providencialmente desmemoriada num
lugar que não sabe onde é, por razões que não sabe quais são; os realizadores
usam assim do benefício da dúvida para fazer de Alice (interpretada com garra e
perplexidade por Milla Jovovich) os olhos da platéia para o mundo mirabolante
que eles irão descortinar.
Em comparação com a megalomania de suas
continuações, este primeiro filme realizado por Paul W.S. Anderson até que
parece contido e sucinto: Ele se esforça em emular certo pesadelo
claustrofóbico presente no videogame ao confrontar Alice e os personagens que
vão aparecendo com as monstruosidades de praxe que surgem, digitais e
ostensivas, a cada virada de corredor.
Resident Evil 2-Apocalipse
No segundo filme –agora dirigido por um tal
Alexander Witt –a protagonista Alice descobre que toda a ação transcorrida no
subsolo do original na realidade acontecia embaixo de uma cidade normal,
subsidiária de um grande complexo das indústrias Umbrella, empresa criadora do
vírus que possibilitou a praga e (por razões nunca de fato plausíveis) criadora
da própria Alice, também; um clone dotado de tamanha força e rapidez que faz
ela parecer a Mulher-Maravilha (!).
Agora, os zumbis e toda a ameaça biológica
concebida pela Umbrella poderão ganhar o mundo e Alice, ao lado da policial
Jill Valentine (a bonita e inexpressiva Sienna Guillory, uma personagem oriunda
do game) devem lutar para ao menos salvar a população.
Esta primeira continuação da aguardada
adaptação para cinema do cultuado videogame estabelece de forma meio
cambaleante o que seria, daqui para frente, a série cinematográfica "Resident
Evil": Absurdos monumentais de roteiro, referências ocasionais às tramas
do game (e não uma literal adaptação) e um clima predominante de filme B, tudo
emoldurando a atuação overpower de Milla Jovovich.
Se os outros capítulos encontraram –sobretudo,
num trabalho de direção consciente de sua cinematografia –meios de ir além da
pirotecnia desvairada, este segundo filme se revela o mais fraco ao dispor de
pouca habilidade na manipulação de seus elementos.
Resident Evil 3-A Extinção
Com a chegada do terceiro filme, a saga já
sofreu uma das suas primeiras e mais evidentes reformulações (entre muitas que
em maior e menor grau seriam aplicadas na trama): Já se vão alguns anos desde
que os acontecimentos dos dois primeiros longa-metragens mudaram a paisagem do
mundo.
Agora, a saga "Resident Evil"
ambienta-se num cenário pós-apocalíptico muito parecido com "Mad
Max", e toda a sorte de filmes sobre esse tema e com essas características
que a produção pode citar.
Há inclusive aí uma cena onde o diretor Russel
Mulcahy (de “Highlander-O Guerreiro Imortal”) –substituindo Paul WS Anderson
que dirigiu o primeiro filme, produziu o segundo (dirigido por Alexander Witt)
e voltaria a dirigir os próximos –tenta homenagear "Os Pássaros" de
Hitchcook.
Não há dúvida que o diretor Mulcahy traz uma
nova visão vigorosa à série, mostrando que seu material sobrevive a uma
tentativa de reinvenção e, mais ainda, ganha com isso em sabor e melodia –há
todo um novo contexto que revitaliza as peripécias de Alice (personagem que a
essa altura, Milla Jovovich já tornou sua) e dá novo empuxo às seqüências de
confronto, ação e perseguição que se seguem.
Na trama, Alice, enquanto singra os deserto
desse novo mundo constituído de pó, ruína e desolação, acha-se com uma caravana
de sobreviventes, incluindo aí alguns personagens referenciais do videogame
como Claire Redfield (Ali Larter, da série “Heroes”). Entre tiroteios, lutas e
perseguições concebidas com todo o apuro que o cinema de ação é capaz de
moldar, Alice dá continuidade à sua constante fuga de seus criadores, os
inescrupulosos cientistas das Indústrias Umbrella.
Resident Evil 4-Recomeço
Vingança. É o combustível que impulsiona a
protagonista neste quarto exemplar da série de cinema que, de forma
completamente à margem da trama desenvolvida no videogame, segue parecendo uma
sucessão de filmes onde o exagero da forma, o barulho inaudível das seqüências
de explosão, o excesso de frenesi nas cenas de ação, se sobrepõem a qualquer ênfase
que por ventura a história pudesse ter.
Contudo, esses elementos são manipulados com
uma consciência desigual e uma reflexão em torno do quê, de fato, é “Resident
Evil” –certamente, aqueles que esperaram por uma versão fiel e direta do que se
joga no videogame ficaram bastante perplexos.
Sua premissa, por sinal, é manancial abundante
de tudo que mais mirabolante a cultura pop andou criando nos últimos tempos,
envolvendo clones, mutação, zumbis, superpoderes, monstros mutantes,
experiências, tecnologia, tudo embalado em meio a efeitos 3D alucinados que
certamente seduzem ao desesperado paladar adolescente.
Foi a partir daqui que o diretor Paul W.S.
Anderson (marido da estrela Milla Jovovich, à propósito) assumiu em definitivo
a direção da série –que já reunia indisfarçavelmente todas as suas
características como realizador –e fez dela uma obra sua.
O sub-título, “Recomeço” é plenamente
significativo: A trama leva Alice por novos rumos que definiram inclusive os
filmes vindouros, o quê envolve a perda de seus poderes (até então ela era
quase uma espécie de Mulher Maravilha!), o refúgio –junto de inúmeros outros
sobreviventes –dentro de uma prisão abandonada, e o início da concepção de um
grande vilão; e, por conseguinte, um propósito à heroína.
Resident Evil 5-Retribuição
Uma observação a respeito da saga “Resident
Evil” é o leque de opções variados que a natureza non-sense de sua realização
permite: Conforme os filmes avançam, os roteiristas se sentem à vontade para pegar
um ou outro gancho narrativo que resta construindo a partir dele um ponto de
partida sobre algo que anteriormente poderia ser uma observação passageira de
um dos filmes anteriores.
Trocando em miúdos: Fingir que se está
trilhando um caminho todo elaborado e pré-definido quando na verdade se está
tateando novas histórias (e a maneira de continuá-las) às cegas.
Essa é uma característica cada dia mais comum no
universo das franquias cinematográficas (vide a franquia “Velozes e Furiosos”):
Trata-se de uma dissolução deliberada que vai de encontro a um certo público
para o qual quanto mais genérico parece, mais interessante, afinal, fica –um
nicho de expectadores para quem a novidade pode desagradar justamente por seu
elemento de inetidismo: O mais do mesmo lhe é confortável e agradável.
Para tanto, esta trama abusa das variações
possíveis da clonagem nas dinâmicas entre personagens já conhecidos: Jill
Valentine reaparece aqui (na verdade, um clone) como uma notável antagonista,
assim como Rain Ocampo (Michelle Rodriguez, do próprio “Velozes e Furiosos”,
por sinal), morta no primeiro filme.
Alice deve escapar de uma instalação de
segurança máxima mantida pela Umbrella após descobrir que uma infinidade de
clones (alguns dela mesma) estão sendo empregados num plano sinistro.
É neste 5º filme da saga que Paul W.S. Anderson
aprimora o rumo esboçado já na primeira produção: Se o anterior “Recomeço” já
era uma ponderação da relação “Resident Evil” filme e videogame, “Retribuição”
é então a criação de um jogo próprio.
Ele aceita finalmente o parque de diversões
descerebrado de incrementos high-tech que é. Na verdade, Anderson ostenta uma
vulgaridade pop de que ele (e quem assiste) acredita no imenso poder sensorial
das imagens.
Resident Evil 6-Capítulo Final
É nessas condições que todas as escolhas,
excessos e premissas conduzem ao assim alardeado “Capítulo Final”, cuja
história chega com a intenção de ser um arremate para todos os subtextos, todas
as adaptações tentadas e não completamente consideradas das tramas nos games,
as referências que em algum momento constituíram rumos tomados pelo roteiro, e
os personagens que foram e voltaram como num palco ao sabor de improvisos
ferozes.
É certo que a maior parte de seu público sequer
considerou os dilemas artísticos e narrativos que pairavam sobre a série –e em
alguns momentos, próprio o diretor Anderson parece se mostrar pouco afetado
pela drasticidade das alterações –mas, é curioso notar que há, de fato, um
enfoque novo que a informação acerca deste ser o capítulo final, dá a esta
tentativa de expiação, de almejar um cinema maior, ainda que reafirmando orgulhosamente
suas próprias imperfeições.
Aqui, o apocalypse zumbi já mostrou todos os
perigos que poderia oferecer. Alice é uma sobrevivente. Nessa condição, ao lado
de outros personagens, ela chega a Racoon City, reduto da Umbrella onde todos
os seus recursos serão reunidos para um último ataque contra aqueles que
restaram da humanidade.
Reza a lenda que o verdadeiro cinema é a ação
em suas mais incontidas e exacerbadas transfigurações: Que a sempre vital
dramaturgia, a essencial necessidade da atuação, o valor intrínseco do roteiro,
e outras preciosidades apontadas em uma cinematografia dizem respeito às outras
artes, o teatro, a literatura, a música. Dizem que o que resta ao cinema, e que
lhe confere singularidade sobre todas as outras formas de arte, é a sua
possibilidade de arrebatar o público com som e fúria.
Se for verdade, então, a “Saga Resident Evil” é
cinema em toda sua plenitude, mesmo com suas incoerências, seus excessos e suas
maluquices.
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