quarta-feira, 6 de junho de 2018

A Saga Resident Evil


Resident Evil-O Hóspede Maldito
Uma das mais controversas adaptações de videogame para cinema (na medida em que possui tantos admiradores quanto detratores), a Saga “Resident Evil”, a despeito de uma discussão perene acerca das reais aplicações de suas qualidades como cinema, permanece um corpo conceitual único pela forma quase independente com que sua mitologia abilolada adquiriu vida própria nas telas, afastando-se completamente da fidelidade aos conceitos do jogo original e singrando por um caminho tão imprevisível quanto improvável.
Ao dar início, num já longínquo 2002, ao enrolado novelo de lã que constitui o enredo da saga como um todo, este primeiro filme de “Resident Evil” se esgueira de uma condição constante nos videogames para assumir sua primeira decisão como narrativa: Ele possui uma protagonista.
Ela é Alice (personagem ausente nos jogos cuja nomenclatura remete ao conto de Lewis Caroll e ao leque variado de hostilidades além da imaginação que vão vir).
Ela acorda providencialmente desmemoriada num lugar que não sabe onde é, por razões que não sabe quais são; os realizadores usam assim do benefício da dúvida para fazer de Alice (interpretada com garra e perplexidade por Milla Jovovich) os olhos da platéia para o mundo mirabolante que eles irão descortinar.
Em comparação com a megalomania de suas continuações, este primeiro filme realizado por Paul W.S. Anderson até que parece contido e sucinto: Ele se esforça em emular certo pesadelo claustrofóbico presente no videogame ao confrontar Alice e os personagens que vão aparecendo com as monstruosidades de praxe que surgem, digitais e ostensivas, a cada virada de corredor.

Resident Evil 2-Apocalipse
No segundo filme –agora dirigido por um tal Alexander Witt –a protagonista Alice descobre que toda a ação transcorrida no subsolo do original na realidade acontecia embaixo de uma cidade normal, subsidiária de um grande complexo das indústrias Umbrella, empresa criadora do vírus que possibilitou a praga e (por razões nunca de fato plausíveis) criadora da própria Alice, também; um clone dotado de tamanha força e rapidez que faz ela parecer a Mulher-Maravilha (!).
Agora, os zumbis e toda a ameaça biológica concebida pela Umbrella poderão ganhar o mundo e Alice, ao lado da policial Jill Valentine (a bonita e inexpressiva Sienna Guillory, uma personagem oriunda do game) devem lutar para ao menos salvar a população.
Esta primeira continuação da aguardada adaptação para cinema do cultuado videogame estabelece de forma meio cambaleante o que seria, daqui para frente, a série cinematográfica "Resident Evil": Absurdos monumentais de roteiro, referências ocasionais às tramas do game (e não uma literal adaptação) e um clima predominante de filme B, tudo emoldurando a atuação overpower de Milla Jovovich.
Se os outros capítulos encontraram –sobretudo, num trabalho de direção consciente de sua cinematografia –meios de ir além da pirotecnia desvairada, este segundo filme se revela o mais fraco ao dispor de pouca habilidade na manipulação de seus elementos.

Resident Evil 3-A Extinção
Com a chegada do terceiro filme, a saga já sofreu uma das suas primeiras e mais evidentes reformulações (entre muitas que em maior e menor grau seriam aplicadas na trama): Já se vão alguns anos desde que os acontecimentos dos dois primeiros longa-metragens mudaram a paisagem do mundo.
Agora, a saga "Resident Evil" ambienta-se num cenário pós-apocalíptico muito parecido com "Mad Max", e toda a sorte de filmes sobre esse tema e com essas características que a produção pode citar.
Há inclusive aí uma cena onde o diretor Russel Mulcahy (de “Highlander-O Guerreiro Imortal”) –substituindo Paul WS Anderson que dirigiu o primeiro filme, produziu o segundo (dirigido por Alexander Witt) e voltaria a dirigir os próximos –tenta homenagear "Os Pássaros" de Hitchcook.
Não há dúvida que o diretor Mulcahy traz uma nova visão vigorosa à série, mostrando que seu material sobrevive a uma tentativa de reinvenção e, mais ainda, ganha com isso em sabor e melodia –há todo um novo contexto que revitaliza as peripécias de Alice (personagem que a essa altura, Milla Jovovich já tornou sua) e dá novo empuxo às seqüências de confronto, ação e perseguição que se seguem.
Na trama, Alice, enquanto singra os deserto desse novo mundo constituído de pó, ruína e desolação, acha-se com uma caravana de sobreviventes, incluindo aí alguns personagens referenciais do videogame como Claire Redfield (Ali Larter, da série “Heroes”). Entre tiroteios, lutas e perseguições concebidas com todo o apuro que o cinema de ação é capaz de moldar, Alice dá continuidade à sua constante fuga de seus criadores, os inescrupulosos cientistas das Indústrias Umbrella.

Resident Evil 4-Recomeço
Vingança. É o combustível que impulsiona a protagonista neste quarto exemplar da série de cinema que, de forma completamente à margem da trama desenvolvida no videogame, segue parecendo uma sucessão de filmes onde o exagero da forma, o barulho inaudível das seqüências de explosão, o excesso de frenesi nas cenas de ação, se sobrepõem a qualquer ênfase que por ventura a história pudesse ter.
Contudo, esses elementos são manipulados com uma consciência desigual e uma reflexão em torno do quê, de fato, é “Resident Evil” –certamente, aqueles que esperaram por uma versão fiel e direta do que se joga no videogame ficaram bastante perplexos.
Sua premissa, por sinal, é manancial abundante de tudo que mais mirabolante a cultura pop andou criando nos últimos tempos, envolvendo clones, mutação, zumbis, superpoderes, monstros mutantes, experiências, tecnologia, tudo embalado em meio a efeitos 3D alucinados que certamente seduzem ao desesperado paladar adolescente.
Foi a partir daqui que o diretor Paul W.S. Anderson (marido da estrela Milla Jovovich, à propósito) assumiu em definitivo a direção da série –que já reunia indisfarçavelmente todas as suas características como realizador –e fez dela uma obra sua.
O sub-título, “Recomeço” é plenamente significativo: A trama leva Alice por novos rumos que definiram inclusive os filmes vindouros, o quê envolve a perda de seus poderes (até então ela era quase uma espécie de Mulher Maravilha!), o refúgio –junto de inúmeros outros sobreviventes –dentro de uma prisão abandonada, e o início da concepção de um grande vilão; e, por conseguinte, um propósito à heroína.

Resident Evil 5-Retribuição
Uma observação a respeito da saga “Resident Evil” é o leque de opções variados que a natureza non-sense de sua realização permite: Conforme os filmes avançam, os roteiristas se sentem à vontade para pegar um ou outro gancho narrativo que resta construindo a partir dele um ponto de partida sobre algo que anteriormente poderia ser uma observação passageira de um dos filmes anteriores.
Trocando em miúdos: Fingir que se está trilhando um caminho todo elaborado e pré-definido quando na verdade se está tateando novas histórias (e a maneira de continuá-las) às cegas.
Essa é uma característica cada dia mais comum no universo das franquias cinematográficas (vide a franquia “Velozes e Furiosos”): Trata-se de uma dissolução deliberada que vai de encontro a um certo público para o qual quanto mais genérico parece, mais interessante, afinal, fica –um nicho de expectadores para quem a novidade pode desagradar justamente por seu elemento de inetidismo: O mais do mesmo lhe é confortável e agradável.
Para tanto, esta trama abusa das variações possíveis da clonagem nas dinâmicas entre personagens já conhecidos: Jill Valentine reaparece aqui (na verdade, um clone) como uma notável antagonista, assim como Rain Ocampo (Michelle Rodriguez, do próprio “Velozes e Furiosos”, por sinal), morta no primeiro filme.
Alice deve escapar de uma instalação de segurança máxima mantida pela Umbrella após descobrir que uma infinidade de clones (alguns dela mesma) estão sendo empregados num plano sinistro.
É neste 5º filme da saga que Paul W.S. Anderson aprimora o rumo esboçado já na primeira produção: Se o anterior “Recomeço” já era uma ponderação da relação “Resident Evil” filme e videogame, “Retribuição” é então a criação de um jogo próprio.
Ele aceita finalmente o parque de diversões descerebrado de incrementos high-tech que é. Na verdade, Anderson ostenta uma vulgaridade pop de que ele (e quem assiste) acredita no imenso poder sensorial das imagens.

Resident Evil 6-Capítulo Final
É nessas condições que todas as escolhas, excessos e premissas conduzem ao assim alardeado “Capítulo Final”, cuja história chega com a intenção de ser um arremate para todos os subtextos, todas as adaptações tentadas e não completamente consideradas das tramas nos games, as referências que em algum momento constituíram rumos tomados pelo roteiro, e os personagens que foram e voltaram como num palco ao sabor de improvisos ferozes.
É certo que a maior parte de seu público sequer considerou os dilemas artísticos e narrativos que pairavam sobre a série –e em alguns momentos, próprio o diretor Anderson parece se mostrar pouco afetado pela drasticidade das alterações –mas, é curioso notar que há, de fato, um enfoque novo que a informação acerca deste ser o capítulo final, dá a esta tentativa de expiação, de almejar um cinema maior, ainda que reafirmando orgulhosamente suas próprias imperfeições.
Aqui, o apocalypse zumbi já mostrou todos os perigos que poderia oferecer. Alice é uma sobrevivente. Nessa condição, ao lado de outros personagens, ela chega a Racoon City, reduto da Umbrella onde todos os seus recursos serão reunidos para um último ataque contra aqueles que restaram da humanidade.
Reza a lenda que o verdadeiro cinema é a ação em suas mais incontidas e exacerbadas transfigurações: Que a sempre vital dramaturgia, a essencial necessidade da atuação, o valor intrínseco do roteiro, e outras preciosidades apontadas em uma cinematografia dizem respeito às outras artes, o teatro, a literatura, a música. Dizem que o que resta ao cinema, e que lhe confere singularidade sobre todas as outras formas de arte, é a sua possibilidade de arrebatar o público com som e fúria.
Se for verdade, então, a “Saga Resident Evil” é cinema em toda sua plenitude, mesmo com suas incoerências, seus excessos e suas maluquices.

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