sexta-feira, 15 de junho de 2018

A Vilã


Entre outros méritos indiscutíveis,  o cinema sul-coreano possui uma cena clássica que parecia inigualável: A luta espetacular em um corredor entre o protagonista e dezenas de bandidos, de “Old Boy”.
Tão engenhosa e antológica ela é que sequer a refilmagem americana (dirigida por Spike Lee) foi capaz de equiparar tal cena.
Sem intenção de se acomodar, coube ao próprio cinema sul-coreano a tarefa de superar seu próprio feito: Este “A Vilã” tem, também ele, a cena de uma luta num corredor (pelo menos, é como ela começa), que ostenta ainda mais virtuosismo, genialidade e audácia do que a cena clássica de “Old Boy” –e ela, ainda por cima, é só a cena que abre o filme!
Consciente do poder avassalador dessa sequência inicial, todo o filme é disposto como um novela de lã que desemparassa-se a partir exclusivamente desse estrarrecedor momento.
Por meio de flashbacks fora da linearidade –os quais cabe ao expectador aos poucos decifrar a ordem –a trama acompanha Sook-Hee (a bela Kim Ok-Bin), autora da inacreditável proeza física do início; quando promove uma chacina em um grupo criminoso que parece se multiplicar a medida que ela deflagra cada vez mais mortes.
Capturada, ela vai parar nas mãos de uma organização que treina assassinas de elite –e, com isso, aprimora ainda mais suas mortais aptidões.
A apaixonada referência à “Nikita”, de Luc Besson, não é casual –e há um momento em que esse filme é lembrado no resgate de sua beleza estética
Intercalados por esse treinamento, algumas cenas vão mostrando as razões que a levaram àquele extremo; e que pouco a pouco respondem porque ela estava grávida (!), e o quê a levou, nas décadas que se seguiram, a procurar pelo misterioso assassino de seu pai.
Com sua filha já contando cerca de cinco anos, Sook-Hee passa a viver a fachada de uma vida normal seguindo a carreira de atriz (vigiada de perto por outro agente da organização que acaba se apaixonando por ela) –mas, isso tudo é um disfarce para a atividade de assassina que ela terá de ocasionalmente exercer: É justamente num desses momentos que uma grande surpresa vai promover uma reviravolta na sua vida, e no filme.
Intrincado, eletrizante e difícil de ser colocado em palavras por seu elaborado primor narrativo e pela sua trama magistral pontuada de surpresas, “A Vilã” é um exercício sem igual de desenvoltura técnica: O diretor Jung Byung-Gil, na tradição dos magníficos e ousados realizadores sul-coreanos, constrói cenas sensacionais feitas para ficarem cravadas na memória do expectador.
Existem muitas para se enumerar, mas há que se citar a cena final, um salto técnico e artístico além do que parecia insuperável (a cena inicial), onde ele acompanha, por meio de um plano-sequência frenético e implacável (feito para aparentar não ter cortes, mas certamente repleto de emendas digitais invisíveis) a busca inacreditável de Sook-Hee por sua vingança. É uma cena crua, violenta, sangrenta, extensa e magistral cuja perícia deve demorar uns bons anos até ser superada –se é que o será!

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