O ator Ryuichi Sakamoto não só interpreta o
personagem do capitão Yonoi como também assina a trilha sonora deste filme –e,
com efeito, a trilha se revela apoteótica e algo intrusiva dando um viés
diferenciado aos fatos que comenta.
E os fatos em questão têm tudo a ver com a
visão escatológica do diretor Nagisa Oshima sobre as variações obscuras e
mórbidas do desejo.
1942. a Segunda Guerra Mundial ainda está em
curso. Num campo de prisioneiros na Ilha de Java, o equilíbrio entre prisioneiros
ingleses indignados e os soldados japoneses impacientes é mantido por uma
pequena margem graças ao constante diálogo entre o coronel Lawrence (Tom
Conti), uma espécie de representante dos demais confinados já que fala japonês,
e o capitão Yonoi (o próprio Sakamoto), o comandante do campo disposto e ser
razoável por um lado, mas constantemente instigado por sua própria frustração e
beligerância, por outro.
Esse precário equilíbrio é completamente
afetado quando é incluído aos prisioneiros, um elemento que desestabiliza esse
tensa dinâmica: O capitão Jack Celliers interpretado pelo andrógino David
Bowie.
Capturado em uma missão suicida da qual
declaradamente não esperava sair com vida, ele se revela pouco disposto a
seguir normas estabelecidas, preferindo uma postura de debochada contestação –e
a evidente atração velada que Yonoi nutre por ele potencializa ainda mais as
possibilidades trágicas dos acontecimentos que irão se deflagrar por lá durante
o período do Natal.
É curiosa a forma com que o diretor Nagisa
Oshima migrou radicalmente o tema, o gênero e a abordagem deste seu filme na
sequência dos excelentes (e similares) “O Império dos Sentidos” e “Império da
Paixão” –aqui ele abraça o classicismo da narrativa de um filme de guerra
somente para desconstruí-lo por meio da arte: Sakamoto e Bowie são reconhecidos
músicos (mais até que como atores), assim como Takeshi Kitano (então, mais
conhecido no Japão como cantor popular e comediante televisivo ‘Beat’ Takeshi),
é uma presença das mais inusitadas com rompantes imprevistos de graça e
histeria em meio à truculência.
Essas características conferem ao filme uma
singularidade orgânica que o distinguiria mesmo que sua explosiva premissa já
não o fizesse: Um filme de guerra árduo, dramático e dilacerante que versa
sobre as manifestações imprevisíveis do homossexualismo.
Claro que Oshima não se mostra tão explícito
quanto em seus trabalhos anteriores, mas sua condução revela atrevimento de
sobra na maneira incisiva (sobretudo, no desfecho) com que ele coloca, nítidos
e justapostos, os conceitos de desejo e morte lado a lado.
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