terça-feira, 24 de julho de 2018

A Filha de Ryan


Numa sucessão até natural das obras grandiosas e definitivas que entregou nas décadas anteriores, o diretor David Lean realizou “A Filha de Ryan”, em 1970, contando com praticamente todos os seus colaboradores de outrora; o diretor de fotografia Frederick Young (vencedor do Oscar), o roteirista Robert Bolt e o autor da trilha sonora Maurice Jarre.
O foco histórico para esta nova empreitada cinematográfica era o Levante da Páscoa que colocou em conflito irlandeses e ingleses em meados de 1916, servindo de espetacular moldura a uma trama de caráter intimista.
Por alguma razão –talvez, a percepção do público mais voltado para as mudanças culturais de então e um afastamento dos temas mais clássicos com os quais Lean trabalha –“A Filha de Ryan” não obteve sucesso de público e crítica, levando seu realizador a um hiato voluntário de quinze anos sem filmar, encerrado somente com “Passagem Para A Índia”, seu último filme.
Uma pena: No cinema maiúsculo que resgata, “A Filha de Ryan” é tão belo e arrebatador quanto as demais obras prontamente consagradas do grande David Lean.
Jovem e sensual moradora de um povoado na Costa Norte da Irlanda, Rosy (a fantástica Sarah Miles, de “Esperança e Glória”, na época esposa do roteirista Bolt), a filha do proprietário do bar local, Thomas Ryan (Leo McKern), aceita o matrimônio com o resignado mestre-escola da região, o passivo Charles (Robert Mitchum), bem mais velho que ela, o quê previsivelmente lhe relega um casamento definido pela estável normalidade.
Contudo, tal e qual “Anna Karenina”, o coração impulsivo de Rosy não tarda a encontrar uma fuga do confinamento matrimonial no jovem comandante de uma guarnição inglesa, Randolph Doryan (Christopher Jones), rapaz cujas memórias de sua participação na Segunda Batalha do Marne, durante a Primeira Guerra Mundial, o perseguem em sua vida comum.
Após a descoberta do adultério, graças às involuntárias insinuações do mudo Michael (John Mills, ganhador do Oscar de Melhor Ator Coadjuvante), Rosy experimenta, na forma de repúdio, a mais extrema aversão expressada pela comunidade, já que todos se posicionavam a favor da Irmandade Republicana Irlandesa, que lutava pela independência do país com apoio alemão, e tinham, assim, os ingleses como adversários.
Ao seu lado, ela tem a civilidade incondicional –ainda que ligeiramente abalada e magoada –de seu marido, e o bom senso e a benevolência do padre local (o inesquecível Trevor Howard).
Insipidamente criticado por ter “muito cinema para tão pouca história”, “A Filha de Ryan” possui a profundidade emocional de “Desencanto”, a intensidade dramática de “Doutor Jivago” e o fulgor técnico de “A Ponte do Rio Kwai”.
Um épico de alma sensível e meticulosa munido de imagens grandiosas e emocionantes.

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