Numa sucessão até natural das obras grandiosas
e definitivas que entregou nas décadas anteriores, o diretor David Lean
realizou “A Filha de Ryan”, em 1970, contando com praticamente todos os seus
colaboradores de outrora; o diretor de fotografia Frederick Young (vencedor do
Oscar), o roteirista Robert Bolt e o autor da trilha sonora Maurice Jarre.
O foco histórico para esta nova empreitada
cinematográfica era o Levante da Páscoa que colocou em conflito irlandeses e
ingleses em meados de 1916, servindo de espetacular moldura a uma trama de
caráter intimista.
Por alguma razão –talvez, a percepção do
público mais voltado para as mudanças culturais de então e um afastamento dos
temas mais clássicos com os quais Lean trabalha –“A Filha de Ryan” não obteve
sucesso de público e crítica, levando seu realizador a um hiato voluntário de
quinze anos sem filmar, encerrado somente com “Passagem Para A Índia”, seu
último filme.
Uma pena: No cinema maiúsculo que resgata, “A
Filha de Ryan” é tão belo e arrebatador quanto as demais obras prontamente
consagradas do grande David Lean.
Jovem e sensual moradora de um povoado na Costa
Norte da Irlanda, Rosy (a fantástica Sarah Miles, de “Esperança e Glória”, na
época esposa do roteirista Bolt), a filha do proprietário do bar local, Thomas
Ryan (Leo McKern), aceita o matrimônio com o resignado mestre-escola da região,
o passivo Charles (Robert Mitchum), bem mais velho que ela, o quê
previsivelmente lhe relega um casamento definido pela estável normalidade.
Contudo, tal e qual “Anna Karenina”, o coração
impulsivo de Rosy não tarda a encontrar uma fuga do confinamento matrimonial no
jovem comandante de uma guarnição inglesa, Randolph Doryan (Christopher Jones),
rapaz cujas memórias de sua participação na Segunda Batalha do Marne, durante a
Primeira Guerra Mundial, o perseguem em sua vida comum.
Após a descoberta do adultério, graças às
involuntárias insinuações do mudo Michael (John Mills, ganhador do Oscar de
Melhor Ator Coadjuvante), Rosy experimenta, na forma de repúdio, a mais extrema
aversão expressada pela comunidade, já que todos se posicionavam a favor da
Irmandade Republicana Irlandesa, que lutava pela independência do país com
apoio alemão, e tinham, assim, os ingleses como adversários.
Ao seu lado, ela tem a civilidade incondicional
–ainda que ligeiramente abalada e magoada –de seu marido, e o bom senso e a benevolência
do padre local (o inesquecível Trevor Howard).
Insipidamente criticado por ter “muito cinema
para tão pouca história”, “A Filha de Ryan” possui a profundidade emocional de
“Desencanto”, a intensidade dramática de “Doutor Jivago” e o fulgor técnico de
“A Ponte do Rio Kwai”.
Um épico de alma sensível e meticulosa munido
de imagens grandiosas e emocionantes.
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