quinta-feira, 9 de agosto de 2018

A Hora do Lobo


Tendo saído da realização do árido e conceitual “Persona”, o diretor Ingmar Bergman dedicou-se, em seguida, a um projeto que lhe era quase uma contraparte: Este curioso e complementar “A Hora do Lobo”.
É afirmado no filme que ‘a hora do lobo’ trata-se de um período específico da madrugada onde os velhos costumam morrer e os bebês costumam nascer; é quando o espírito humano se vê mais suscetível aos temores recorrentes. É quando o medo se torna mais poderoso.
Sendo o personagem central de “A Hora do Lobo”, o artista Johan Borg (Max Von Sydow), um insone que troca o dia pela noite, a sua submissão a esse momento específico da madrugada se mostra ainda maior, especialmente pelo fato de que ele tem, deveras, fantasmas muito reais a persegui-lo e assombrá-lo.
O filme de Bergman se constrói a partir do ponto de vista de Alma (Liv Ullmann), a esposa de Borg que dá início ao filme com um monólogo bastante didático em termos narrativos –o filme, em si, já começa com uma reflexão de metalinguagem com os créditos iniciais transcorrendo numa tela preta, na qual se escuta os sons da equipe de filmagem a construir o cenário.
Com efeito, a saga de Johan Borg rumo ao que parece ser o seu fim é toda ela referencial: Ecos de filmes de terror ressoam o tempo todo, com técnicas muito características do gênero e menções quase explícitas à “Drácula” e demais monstros cinematográficos.
Mas, a maior influência aqui é mesmo “Persona”, do próprio Bergman: Os dois filmes estabelecem um diálogo assimétrico de ordem existencial e metafísica. Se aqui, Alma é a esposa que testemunha a luta vã do marido contra o tormento da insanidade, em “Persona”, Alma é o nome da enfermeira que acompanha a atriz muda, e dela se torna uma espécie de presa para sua vampiresca necessidade de uma energia (e devoção) alheia.
A atriz de “Persona” –vivida, por sinal, por Liv Ullmann –chama-se Elisabet Vogler. Já, em “A Hora do Lobo”, chama-se Veronica Vogler a amante de Johan Borg, personificada na atuação e nas curvas de Ingrid Tullin, e que representa um chamariz que atrai Borg para a derradeira cilada armada por seus admiradores parasitas (não à toa, título original do projeto seria “Os Canibais”).
Construído com as características indagações pessoais e existenciais de Bergman, as quais o levam a contemplar as profundezas sombrias da alma de um artista –e, por consequência, as suas próprias –“A Hora do Lobo” é um registro onírico e surreal de inquietações lapidadas num molde cinematográfico tão sedutor quanto tortuoso.

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