Tendo saído da realização do árido e conceitual
“Persona”, o diretor Ingmar Bergman dedicou-se, em seguida, a um projeto que
lhe era quase uma contraparte: Este curioso e complementar “A Hora do Lobo”.
É afirmado no filme que ‘a hora do lobo’
trata-se de um período específico da madrugada onde os velhos costumam morrer e
os bebês costumam nascer; é quando o espírito humano se vê mais suscetível aos
temores recorrentes. É quando o medo se torna mais poderoso.
Sendo o personagem central de “A Hora do Lobo”,
o artista Johan Borg (Max Von Sydow), um insone que troca o dia pela noite, a
sua submissão a esse momento específico da madrugada se mostra ainda maior,
especialmente pelo fato de que ele tem, deveras, fantasmas muito reais a
persegui-lo e assombrá-lo.
O filme de Bergman se constrói a partir do
ponto de vista de Alma (Liv Ullmann), a esposa de Borg que dá início ao filme
com um monólogo bastante didático em termos narrativos –o filme, em si, já
começa com uma reflexão de metalinguagem com os créditos iniciais transcorrendo
numa tela preta, na qual se escuta os sons da equipe de filmagem a construir o
cenário.
Com efeito, a saga de Johan Borg rumo ao que
parece ser o seu fim é toda ela referencial: Ecos de filmes de terror ressoam o
tempo todo, com técnicas muito características do gênero e menções quase
explícitas à “Drácula” e demais monstros cinematográficos.
Mas, a maior influência aqui é mesmo “Persona”,
do próprio Bergman: Os dois filmes estabelecem um diálogo assimétrico de ordem
existencial e metafísica. Se aqui, Alma é a esposa que testemunha a luta vã do
marido contra o tormento da insanidade, em “Persona”, Alma é o nome da
enfermeira que acompanha a atriz muda, e dela se torna uma espécie de presa
para sua vampiresca necessidade de uma energia (e devoção) alheia.
A atriz de “Persona” –vivida, por sinal, por
Liv Ullmann –chama-se Elisabet Vogler. Já, em “A Hora do Lobo”, chama-se
Veronica Vogler a amante de Johan Borg, personificada na atuação e nas curvas
de Ingrid Tullin, e que representa um chamariz que atrai Borg para a derradeira
cilada armada por seus admiradores parasitas (não à toa, título original do
projeto seria “Os Canibais”).
Construído com as características indagações
pessoais e existenciais de Bergman, as quais o levam a contemplar as
profundezas sombrias da alma de um artista –e, por consequência, as suas
próprias –“A Hora do Lobo” é um registro onírico e surreal de inquietações
lapidadas num molde cinematográfico tão sedutor quanto tortuoso.
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