sexta-feira, 14 de setembro de 2018

O Âncora - A Lenda de Ron Burgundy


“O Âncora”, no estilo que adota, é um filme quase esquizofrênico. Tem um tipo de humor muito particular e norte-americano. E, por vezes, corre o sério risco de ser mal interpretado. Ainda assim é uma das grandes comédias da década de 2000-2010.
Em meados da década de 1970 (reconstituída com inspirada percepção nos figurinos), o âncora do maior telejornal de San Diego, Ron Burgundy reina absoluto (e na atuação irreprimível do gênio da comédia Will Ferrel, essa majestade não é à toa).
Ao lado de seus companheiros de notícias, Brian Fantana (Paul Rudd), Champion Kind (David Koechner) e Brick Tamland (Steve Carell, genial), ocupam o primeiro lugar nos índices de audiência.
Os tempos, entretanto, estão mudando. O machismo antes impune das circunstâncias trabalhistas está dando lugar à diversidade e à oportunidade igualitária às mulheres –e a rede logo recebe uma nova e determinada jornalista, Veronica Corningstone (Christina Applegate, de afiado timing cômico).
Esperta e obstinada, Veronica está acostumada aos obstáculos corriqueiros que uma mulher enfrenta num ambiente profissional –observações estas que o roteiro hábil escrito por Ferrel e pelo diretor Adam McKay encontra estratégicas brechas no humor implacável e quase ininterrupto para se inserir –e segue em frente com seu sonho de virar uma âncora de telejornal, mesmo diante da atração (logo tornada romance) entre ela e Burgundy.
É na ascensão e queda de Burgundy que a trama se concentra, usando do romance com Veronica como ponto de equilíbrio (ou desequilíbrio). O curioso, no entanto, é a forma com que o filme de Adam McKay se coloca diante dessa premissa: Tudo em cena reflete a absoluta falta de noção de seu machista personagem principal, conferindo ao filme um tom de comédia abilolada que encontra fácil correspondente naqueles exemplares de besteirol –aos quais parte do público inclusive deve relacionar Will Ferrel.
Embora tenha lá seus tópicos amparados em perspicazes observações do mundo real –a emancipação da mulher sendo o mais pertinente –o filme não faz um único esforço na direção de ser realista. Muito pelo contrário, não faltam cenas onde predomina um deliberado nonsense: Talvez as mais gritantes (em meio à tantas outras) sejam a apresentação com flauta de jazz feita pelo próprio Burngundy num clube noturno, pontuada pela canastrice saborosa de Ferrel; a batalha brutal, violenta e ridícula entre vários grupos de repórteres de emissoras rivais, a lembrar um confronto inconsequente de gangues, onde se chocam o time de Burgundy, mais os recalcados segundo colocados (liderados por Vince Vaughn), o pessoal que ficou em terceiro lugar (que têm à frente Tim Robbins), a emissora dos retardatários (com Luke Wilson) e os repórteres do canal latino (representados por Ben Stiller); além também da sequência final, contra um bando de ursos selvagens num zoológico (!).
Um peculiar exercício de humor realizado por mentes geniais incompreendidas que às vezes fingem nada compreender.

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