“O Âncora”, no estilo que adota, é um filme
quase esquizofrênico. Tem um tipo de humor muito particular e norte-americano.
E, por vezes, corre o sério risco de ser mal interpretado. Ainda assim é uma
das grandes comédias da década de 2000-2010.
Em meados da década de 1970 (reconstituída com
inspirada percepção nos figurinos), o âncora do maior telejornal de San Diego,
Ron Burgundy reina absoluto (e na atuação irreprimível do gênio da comédia Will
Ferrel, essa majestade não é à toa).
Ao lado de seus companheiros de notícias, Brian
Fantana (Paul Rudd), Champion Kind (David Koechner) e Brick Tamland (Steve
Carell, genial), ocupam o primeiro lugar nos índices de audiência.
Os tempos, entretanto, estão mudando. O
machismo antes impune das circunstâncias trabalhistas está dando lugar à
diversidade e à oportunidade igualitária às mulheres –e a rede logo recebe uma
nova e determinada jornalista, Veronica Corningstone (Christina Applegate, de
afiado timing cômico).
Esperta e obstinada, Veronica está acostumada aos
obstáculos corriqueiros que uma mulher enfrenta num ambiente profissional
–observações estas que o roteiro hábil escrito por Ferrel e pelo diretor Adam
McKay encontra estratégicas brechas no humor implacável e quase ininterrupto
para se inserir –e segue em frente com seu sonho de virar uma âncora de
telejornal, mesmo diante da atração (logo tornada romance) entre ela e
Burgundy.
É na ascensão e queda de Burgundy que a trama
se concentra, usando do romance com Veronica como ponto de equilíbrio (ou
desequilíbrio). O curioso, no entanto, é a forma com que o filme de Adam McKay
se coloca diante dessa premissa: Tudo em cena reflete a absoluta falta de noção
de seu machista personagem principal, conferindo ao filme um tom de comédia
abilolada que encontra fácil correspondente naqueles exemplares de besteirol –aos
quais parte do público inclusive deve relacionar Will Ferrel.
Embora tenha lá seus tópicos amparados em
perspicazes observações do mundo real –a emancipação da mulher sendo o mais
pertinente –o filme não faz um único esforço na direção de ser realista. Muito pelo
contrário, não faltam cenas onde predomina um deliberado nonsense: Talvez as
mais gritantes (em meio à tantas outras) sejam a apresentação com flauta de
jazz feita pelo próprio Burngundy num clube noturno, pontuada pela canastrice
saborosa de Ferrel; a batalha brutal, violenta e ridícula entre vários grupos
de repórteres de emissoras rivais, a lembrar um confronto inconsequente de
gangues, onde se chocam o time de Burgundy, mais os recalcados segundo
colocados (liderados por Vince Vaughn), o pessoal que ficou em terceiro lugar
(que têm à frente Tim Robbins), a emissora dos retardatários (com Luke Wilson)
e os repórteres do canal latino (representados por Ben Stiller); além também da
sequência final, contra um bando de ursos selvagens num zoológico (!).
Um peculiar exercício de humor realizado por
mentes geniais incompreendidas que às vezes fingem nada compreender.
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