Comédias que versam em torno do tema da troca
de corpos não são nenhuma novidade no cinema, e “Eu Queria Ter Sua Vida”, de
David Dobkin (da cultuada comédia “Penetras Bons de Bico”), encontra nessa
redundância a maior de suas complicações.
O roteiro até tem momentos que soam
injustificados (e que são contornados, em geral, pela desenvoltura notável da
dupla protagonista); seu humor confunde audácia com baixaria; e não raro há
passagens inteiras em que o mau gosto predomina (embora não falte à direção uma
austeridade pontual para saber desvencilhar-se desse cacoete), porém, nenhum
desses aspectos representa um problema com o qual a produção não saiba lidar
–seu verdadeiro calcanhar de Aquiles é o incontornável fato de que o filme se
apoia numa estrutura previsível, pelo simples fato de que existem dezenas de
filmes sobre o mesmo mote a precede-lo.
Ao passo que são melhores amigos, Dave e Mitch
não poderiam ser mais diferentes.
Dave (Jason Bateman, bastante à vontade) é
responsável, pai da família, casado com a compreensiva Jamie (Leslie Mann,
protagonizando, inclusive, desinibidas cenas de nudez) e, no trabalho –ao qual
se dedica com um pouco de excesso –está à beira de ser chamado para ser sócio
de uma firma de advocacia.
Mitch (Ryan Reynolds, ocasionalmente
convincente), por outro lado, não possui responsabilidades –seu medíocre
ganha-pão é como ator –e manteve-se solteiro e sem filhos; mas não sem
conquistas, que volta e meia aparecem em seu apartamento. Seu pai (Alan Arkin)
também marca presença, sempre tentando se acertar com o filho imaturo.
Numa noite de happy hour, Dave confessa sua
injúria pela atribulada vida familiar, enquanto Mitch retruca reclamando da
falta de estabilidade e da solidão acarretada pela solteirice. Quando os dois
se dão conta de que estão cobiçando a vida do outro (e o dizem em voz alta) uma
magia se opera: Eles estão mijando no que supõem-se ser uma fonte dos desejos
(!), e eis que têm assim seus corpos trocados!
Agora, é o inconsequente Mitch quem habita o
corpo do comportado Dave; e deve, portanto, passar-se por ele justamente num
momento crucial de sua vida.
Com efeito, Dave, travado que só ele, precisa
passar-se por Mitch em sua rotina diária, o quê significa aprender a ostentar
uma descontração que ele jamais soube expressar.
Tal e qual obras como o oitentista
“Vice-Versa”, o brasileiro “Se Eu Fosse Você”, a ótima animação “Your Name” e a
comédia “Sexta-Feira Muito Louca” (o original e a refilmagem), os dois
personagens cujas mentes foram trocadas têm um tortuoso caminho até descobrir,
no corpo do outro, as qualidades que antes não tinham; e no processo, reveem a
própria amizade e suas escolhas pessoais –há também a consequente busca pelo
meio de reverter o feitiço, o que se dará somente no trecho final, quando a
lição moral estará devidamente assimilada.
Em algum momento, o personagem de Dave começa a
se revelar um pouco mais rico e interessante que o de Mitch, mas nada disso
parece ser problema para o diretor Dobkin: Sua prioridade é ser engraçado e ele
sacrifica muito da narrativa nesse intento, sobretudo, quando erra a mão em
sequências que resultam pesadas demais, como a cena em que Mitch precisa atuar
num pornô-soft (ao lado da veterana Taaffe O’ Connell, de “Galáxia do Terror”).
Se o filme se sobressai aos seus deméritos é
certamente por conta do convincente trabalho dos dois atores principais; embora
no princípio pareça que não vão dar conta do recado, Bateman e Reynolds encenam
a troca de mentes e de personalidades de seus personagens com precisão surpreendente,
atraindo o interesse do expectador em acompanha-los nessa confusão.
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