quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Os 33

Era uma questão de tempo que o dramático episódio real envolvendo os trinta e três mineiros chilenos aprisionados de 5 de agosto à 13 de outubro de 2010 numa mina desabada acabasse rendendo um filme de Hollywood.
E ele saiu feito sob encomenda: Edificante, povoado por personagens emotivos e carismáticos, cheio de momentos arrebatadores, calibrado à perfeição para enaltecer a tenacidade daqueles que jamais perderam a esperança. Em suma: Os realizadores tiveram o bom senso de fazer um filme exatamente como o mundo gostaria de assisti-lo –caracterizado pela mesma percepção de senso comum triunfante presente nos noticiários da época que cobriram obstinadamente todo o drama.
E não consta, nessa equação deliberada, escolhas artísticas que pudessem atrair prêmios para a obra –“Os 33” se assume, do início ao fim, uma produção de apelo e orientação popular, como se tivesse sido feito (e, talvez, até tenha sido mesmo) para os próprios mineiros e suas famílias; é irônico, portanto, que muitos deles tenham se declarado insatisfeitos com o resultado.
A história inicia-se nas festividades que marcaram a aposentadoria de um deles, Mario Gómez (Gustavo Angarita) que, por uma ironia suprema do destino, tinha poucos dias a mais para então parar de trabalhar. Ali vemos brevemente todos eles e tomamos conhecimento dos personagens que ganharão mais expressão no filme, como Mário Sepúlveda (Antonio Banderas), o supervisor de segurança Luis ‘Dom Lucho’ Urzua (Lou Diamond Phillips), o aficcionado por Elvis Presley, Edison ‘Elvis’ Peña (Jacob Vargas), o mais jovem deles Alex Vega (Mario Casas), o evangélico José Henriquez (Marco Treviño) e Dario Segovia (Juan Pablo Raba).
Pelo reconhecimento da história que encenam, o elenco interpreta com incontida solenidade o que prejudica a veracidade dramática de muitas das relações, como a de Maria Segovia (Juliette Binoche) com Dario, seu irmão mais novo com quem não se dava até antes do acontecimento. Detalhes como esse, a discriminação sofrida pelo boliviano Carlos Mamani (Tenoch Huerta) da parte dos outros mineiros e o tumultuado casamento de Yonni Barrios (Oscar Nunez), que mantinha a amante Susi (Elizabeth De Razzo) morando na casa ao lado daquela em que vivia com a esposa Marta (Adriana Barraza), apenas ocupam tempo até o evento principal –o fatídico desmoronamento –mas, ao menos, a diretora Patricia Riggen (de “Sob A Mesma Lua”) é austera o suficiente para impor-lhes uma montagem dinâmica que chegue rapidamente onde interessa.
Assim, todos os personagens principais vão trabalhar em um mina de ouro no Deserto do Atacama no dia 5 de agosto quando ocorre o acidente: Recriado com a clareza de detalhes e o realismo permitido pelos efeitos visuais de última geração.
É nos dias que se seguem –e na adição de novos e importantes personagens –que o filme de Patricia Riggen vai encontrando alguns de seus méritos.
Sua primeira parte, quando o resgate é uma incógnita, quando a empresa privada insiste em tratar o acidente com negligência e quando muitos apostavam que nenhum deles estava mais vivo (quando na verdade estavam todos em um refúgio a mais de 580 metros abaixo do solo), é consideravelmente mais marcante e envolvente que o trecho seguinte, quando os mineiros são descobertos e o filme invade o ponto da história que o mundo todo já conhece –aquele em que os mineiros já viraram notícia mundial.
Até lá, a narrativa oscila entre os esforços realizados na superfície –com destaque para o Ministro de Minas, Laurence Golborne (Rodrigo Santoro) e o engenheiro André Sougarret (Gabriel Byrne) cuja perseverança garantiu uma continuidade nas operações até que os mineiros fossem finalmente encontrados –e a claustrofóbica agonia dos mineiros que, sem certeza de que serão resgatados, têm que racionar a comida suficiente para três dias por mais de uma quinzena (!), com inevitável ênfase na liderança de Mário Sepúlveda, cuja fé e destemor são mostrados como um norte que impediu os demais mineiros de sucumbirem ao desespero enquanto lá estiveram.
Da forma como se apresenta, a direção de Patricia Riggen não faz (ou não consegue fazer) maiores arroubos de inventividade narrativa, deixando a história falar por si –ela, quando muito, introduz elementos de melodramaturgia duvidosa como na cena em que, em sua última refeição, quando a comida racionada se esvaiu, o mineiros famintos têm uma alucinação coletiva onde encontram seus familiares e são presenteados por um banquete com seus pratos prediletos.
Os quarenta minutos finais de “Os 33” se contentam em mostrar a mesma trama que o mundo todo acompanhou por meio das coberturas de imprensa –e salvo alguns momentos intimistas é essa mesma linguagem informativa que ele adota.

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