No seu derradeiro trabalho para cinema o hábil
artesão Kenji Misumi (diretor de alguns dos filmes de “Lobo Solitário” e de
“Zatoichi”) mesclou numa narrativa de charmosa orientação romântica e histórica
alguns de seus mais caros apreços; as múltiplas tramas paralelas a entremear os
personagens em circunstâncias rocambolescas.
O filme se ambienta no Século XIX, constatando
as facetas brutais da crise final do xogunato. Em sua primeira parte, “A
Tempestade Passional”, a cidade de Edo recebe, após muitos anos a chegada de
Sugi Toranosuke (Hideki Takahashi) que, quando muito jovem deixou o lugar sob
risco de morrer precocemente diante de sua debilitada saúde. Entretanto,
treinando arduamente junto de seu honorável mestre Ikemoto (Takahiro Tamura),
Sugi não só sobreviveu, como tornou-se um samurai de incomum habilidade.
Seu regresso à Edo levanta um pequeno dilema: O
pai de Sugi havia sido o senhor da casa Soshu, dos Shinsengumi, a casta de
samurais à serviço do xogum, o que o colocava como provável sucessor ao posto
maior, no entanto, é seu outro irmão de criação, Asao Sano (Yamagushi Kingoro),
quem é deixado no posto.
Sugi contenta-se com a ocupação de ronin nos
tempos politicamente tumultuados que se aproximam. E é numa dessas tarefas que
ele conhece a belíssima Reiko (Keiko Matsuzaka), jovem partidária dos
Shinsengumi que ele escolta até Kyoto.
Lá, Sugi encontra amigos antigos –como Okita
Soji (Teruhiko Saigô), ferrenho apoiador do xogunato e do Clã Soshu –e novos,
como Nakamura Hanjiro (Ken Ogata, de “A Balada de Narayama”), envolvido
romanticamente com a freira (!) Hoshumi (Kiwako Taichi) que guarda um dívida de
honra com Sugi.
Hanjiro, outro importante personagem desta
trama, é membro do Clã Satsuma, apoiador das Forças Imperialistas. Sua origem
humilde o torna mal quisto entre seus pares samurais, mas o Chefe do Clã, Saigo
(Ryutaro Tatsumi), o tem em alta conta, nomeando-o oficial quando a revolução
contra o xogunato atinge seu ápice mais violento.
Como na metafórica ‘tempestade passional’ que
dá nome à essa primeira metade do filme, esses personagens têm sua trajetória
entrecruzada e definida pelas escolhas que tomaram, e que os levam, a todos,
para Edo: Lá, Sugi casa-se com Reiko a fim de viver uma vida tranquila e
doméstica na esperança de seguir uma orientação deixada por seu próprio mestre
–morto misteriosamente em um episódio obscuro e nebuloso.
E Hanjiro, assim como muitos outros, agora
alçado a um posto de comando, encabeça as tentativas imperialistas de sufocar
os simpatizantes dos Shinsengumi.
Ao adentrar a segunda parte, “Ondas Rebeldes da
Mudança”, o diretor Misumi já parece ter dominado uma manobra, recorrente aqui,
na qual ameaça levar o filme à uma conclusão, só para fazê-lo seguir por um
outro e inesperado caminho: Soldados imperialistas invadem a casa de Sugi e
matam Reiko, que lá se encontrava sozinha, transformando ele em viúvo e
colocando-o num inesperado caminho de vingança.
Por sua amizade, Hanjiro faz vista grossa de
sua perseguição e impede que Sugi seja capturado. Assim, o próprio Sugi termina
salvando a vida de Okita, num momento atroz em que precisa mutilar-lhe um braço
ferido e gangrenado.
Diferente de Sugi, que abraça por inteiro a
ideia de que deve deixar para trás as inevitabilidades da batalha para estar
presente no novo Japão que se inicia, Okita resolve seguir apoiando o xogunato,
e termina morrendo.
Os anos se passam, e Sugi prospera como
barbeiro em Edo, agora nomeada Tóquio, e Hanjiro, com a ascensão das Forças
Imperialistas e a derrocada definitiva do xogunato, ascende como um gabaritado
general.
Os dois, e Hoshumi tornam a se encontrar e
tornam a separar-se –no entanto, o episódio mal-esclarecido da morte de seu
mestre levará Sugi e Hanjiro a um novo encontro.
Aproveitando plenamente o
status de respeito que usufruia dentro da indústria de cinema japonesa naqueles
anos 1970, o veterano Kenji Misumi conduz uma obra imodesta na construção de
suas cenas elaboradas, no escopo épico e dramático almejado em seu roteiro e na
extensão emocional obtida pelas diversas tramas em sua premissa. Extremamente
competente, ele não permite que os revezes técnicos e artísticos de sua
realização sabotem o resultado final: Seu controle é de uma precisão fenomenal,
dosando com brilho o ritmo nos momentos de drama ou de tensão e conduzindo um
filme bastante longo com desembaraço e serenidade, algo que permite até mesmo a
clareza transparente de sua bela mensagem final: De que pertence ao ser humano
a decisão de compactuar ou não com uma ameaça danosa como a guerra, de que
amizade e honra são valores abstratos que se encontram dos dois lados de uma
trincheira, e de que serão sempre os pacifistas e moderados que sobreviverão
para vislumbrar o futuro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário