Ser eternamente um cantor fracassado parece ser
a sina de Jack Malik (vivido em toda glória de seu constrangimento proletário
por Himesh Patel que canta e toda violão de verdade).
Os indícios desanimadores de que o sucesso
nunca virá estão por toda parte –no subemprego que o aprisiona na mediocridade;
na euforia inexistente de qualquer público em suas parcas e paupérrimas
apresentações –somente Jack e sua entusiasmada (e pra lá de encantadora)
empresária Ellie (a linda Lily James) não enxergam isso.
Ou melhor: Jack, nos desiludidos percalços
mostrados no início do filme, já começa a enxergar, sim. Todavia, quando ele dá
uma espécie de basta e abre mão, por fim, do sonho de fazer sucesso como cantor
é que o filme dirigido por Danny Boyle e escrito por Richard Curtis dá sua
fundamental guinada: Um evento absolutamente sem explicação acontece –o mundo
todo fica sem eletricidade por breves doze segundos! –e então, Jack sofre um
acidente (é atropelado por um ônibus).
Nada de muito anormal ocorre nos dias que se
seguem. Ele se recupera e volta ao convívio com a família e os amigos. Mas, ele
não deixa de notar um detalhe: Que ser humano nenhum, exceto ele, lembra-se
mais da existência do grupo musical, os Beatles, e de suas músicas icônicas e
consagradas.
Para Jack a equação é simples de ser feita: Ele
vive um mundo que desconhece completamente o repertório de canções
inesquecíveis entregues por John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e
Ringo Star, e, na lembrança viva que guarda delas, apresentará essas
composições ao mundo, como se fossem suas.
De início, os mesmos infortúnios de antes se
repetem, contudo, aos poucos, um jovem dono de gravadora se interessa em
produzir um CD aqui; um músico famoso (Ed Sheeran, numa participação especial)
interessa-se que ele abra seu show ali; e... eis que, quando menos percebe,
Jack já tem uma grande agente de Los Angeles na sua cola (Kate McKinnon,
impagável) e a promessa de dinheiro e sucesso.
Entretanto, como reza a cartilha dramática
dessa espécie particular de premissa desde os tempos de “A Felicidade Não Se
Compra”, as realidades alternativas servem para que os protagonistas vislumbrem
aquilo que perderam, mais do que aquilo que ganharam: o sucesso e o
reconhecimento veem, sim, para o assombrado Jack, mas, não sem a constatação
amarga de que ele usufrui tudo por meio de uma obra cuja autoria não lhe
pertence –e o fantasma do embuste a ser desmascarado o persegue todo o tempo.
Ele também compreende que o sucesso e a
realização não correspondem à felicidade –algo que ele já tinha, sem perceber,
quando estava ao lado de Ellie, seu grande amor, contudo, sua nova vida de
astro famoso requer sacrifícios, e Ellie não pode acompanhá-lo nessa
trajetória.
Resta a Jack, portanto, o aplauso, não o amor.
É curioso como “Yesterday” mescla duas
potências criativas cinematográficas que até então pareciam incompatíveis: De
um lado, o inconformismo quase travesso, mas sempre inspirado e inteligente do
diretor Boyle, dos inquietos e audaciosos “Trainspotting”, “Quem Quer Ser Um Milionário?” e “127 Horas”, do outro, o romantismo adocicado, mas não
destituído de sensibilidade e da fina ironia inglesa do roteirista Richard
Curtis, cujos scripts para “Quatro Casamentos e Um Funeral”, “Simplesmente
Amor” e “Um Lugar Chamado Noting Hill” o elevaram, com méritos, ao status de
gênio da comédia romântica.
“Yesterday”, na ode muito peculiar que faz ao
legado dos Beatles, consegue unir a visão algo idealizada de um mundo bonito, harmonioso e agridoce, característico
do gênero da comédia romântica (e no qual, assim como em “Questão de Tempo”,
Curtis deixa de lado maiores explicações sobre seu viés fantasioso), ao um
ímpeto narrativo que define as obras de Danny Boyle.
Dessa mistura sai um
produto bastante homogêneo: Uma comédia de risos contidos e lições
enternecedoras, atrevida o bastante para ir até as últimas consequências na
insanidade de uma premissa mirabolante que poucos realizadores conseguiriam
encarar até o fim, mas apetecível o suficiente para disso tudo extrair algo que
emocione o expectador, a partir dos mais básicos (e funcionais) princípios,
como o valor daquilo que está a nossa frente e nem sempre notamos, a beleza
transformadora da boa e genuína música e a força implacável do verdadeiro amor.
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