Em tempos da consagração (merecida) do
sul-coreano “Parasita” junto ao Oscar, vale a pena desenterrar a memória de um
filme brasileiro cuja premissa lança mão de elementos muito assim parecidos.
Como na obra-prima de Bong Joon-Ho, esta fábula
intransigente de humor negro a análise antropológica justapõe a luta de classes
de maneira tão atordoante quanto literal –levando ricos e pobres a co-existir
debaixo de um mesmo teto; e ilustrando, por meio disso, as incompatibilidades
que sempre determinarão suas rupturas.
Flagrado no requinte de seu lar, o empresário
Vittorio (Antonio Calloni) tem uma bela esposa, Eleanor (Maitê Proença), uma
mansão chique e luxuosa, e um estilo de vida confortável.
Na forma certamente das invejas alheias, um
ladrão invade sua residência e, embora preso pela polícia, é levado prometendo
vingança. Tal ideia tira o sono de Vittorio a ponto dele encomendar o
assassinato do criminoso na cadeia onde foi colocado.
Contudo, as coisas saem errado, e o presidiário
errado acaba sendo morto.
Triturado pela culpa, Vittorio tem uma atitude
inusitada: Chama para morar em sua mansão a viúva (Marcelia Cartaxo) e os três
filhos do assassinado.
É a partir daqui que o filme dirigido por
Vinicius Mainardi (e roteirizado por ele e por seu irmão, Diogo Mainardi) passa
a encenar os conflitos simultâneos originados de dois estilos de vivência
cultural, financeira e existencial quando estes se chocam em função da divisão
condicionada de um mesmo (e limitado) espaço: As crianças faveladas são mais
barulhentas do que o pimpolho rico, mesmo os castigos impostos pelo ocasional
bom senso da mãe soam ainda mais caóticos aos olhos dos anfitriões; Eleanor não
entende as razões para o marido ter recolhido em casa pessoas que ele próprio
julga cada vez mais inconvenientes, e enxerga as crianças pobres com
curiosidade exótica, nunca com empatia –o atraso comportamental, social e
intelectual da caçula, o olhar faminto que um dos garotos dirige aos pratos da
casa, o menino que fica a desmontar os eletrodomésticos para entender seu
funcionamento –e o filho dos ricos é tendenciosamente orgulhoso da arma que
ganhou coniventemente do pai, mas, sua valentia só dura enquanto tem o amparo
da mãe.
Filmado num preto & branco indicativo dos
contrastes conscientes e subconscientes embutidos na situação que centraliza
(fator que também ajuda a distingui-lo das produções definidas por carências e
limitações de ordem especialmente visual do período), o filme dos irmãos
Mainardi expõe um tema que parecia surtir muito interesse aos autores da
Retomada (também aborda esse conflito de classes o emblemático “Como Nascem Os
Anjos”) e reflete a postura extremamente crítica de seu realizadores em relação
à cultura brasileira, inclusive a forma com que a própria (e seus
representantes) se põe perante outras culturas (leia-se, norte-americana) com
pressuposta inferioridade.
Agressivo, árido, impiedoso e dotado de gradual
acidez para com as diferentes atitudes de seus personagens, “Dezesseis Zero
Sessenta” –ou “16060” título que representa a numerologia de importância na
vida do protagonista –é incisivamente debochado onde outros realizadores
enxergariam oportunidade para ser conciliatório e moralista.
Seu desfecho, longe de
trazer qualquer resolução, só enfatiza sua ironia potencialmente alegórica
deixando Vittorio ao léu cercado dos elementos que definiam seu status, e
despido, no entanto, dos elementos que a ele conferiam vida.
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