domingo, 17 de maio de 2020

O Quarto do Pânico

Já dizia Alfred Hitchcock: “Depois de uma obra-prima, faça um filminho encantador.”
Seguindo essa orientação existencial, o diretor David Fincher, após abalar os alicerces do cinema hollywoodiano com “Clube da Luta” engatou uma marcha mais comercial e moderada e trouxe este “O Quarto do Pânico”, despido das mesmas intenções revolucionárias de sua obra cult e mais definido por orientações convencionais –o que não significa que, nas mãos de um grande artesão como Fincher, isso não tenha rendido um ótimo filme.
Divorciada do marido rico, a nova-iorquina Meg Altman (Jodie Foster, instigando a plateia com a união da atriz de “O Silêncio dos Inocentes” e o diretor de “Seven-Os Sete Crimes Capitais”) não tem outra coisa a fazer senão usufruir da gorda pensão que recebeu junto da filha adolescente Sarah (Kristen Stewart, antes do estrelato por “Crepúsculo”).
Alugam assim, um belo apartamento com três andares nas redondezas do Central Park –e prodigioso em sua direção de arte como só no cinema algumas moradias são capazes de ser!
O imóvel tem uma peculiaridade: Vem com um cômodo especial denominado ‘quarto do pânico’, um luxo proporcionado por ricaços paranóicos que constroem uma divisão em seus quartos, blindada de aço, repleta de monitores que registram o movimento em todos os cômodos da casa e, em caso de invasão, uma pequena fortaleza inexpugnável.
Na primeira noite na casa nova, Meg e Sarah vão precisar desse recurso: Tendo a residência invadida por três indivíduos aparentemente desesperados –o relativamente sensato Burnham (o fabuloso Forest Whitaker), o errático e instável Júnior (Jared Leto, antes do Oscar por “Clube de Compras Dallas” e do Coringa de “Esquadrão Suicida”) e o potencialmente perigoso Raoul (o cantor-country Dwight Yoakam) –as duas se refugiam no ‘quarto do pânico’ a fim de proteger-se. O problema: Os três estão à procura de uma fortuna deixada lá pelo morador anterior, e tal fortuna está escondida justamente dentro do ‘quarto do pânico’!
Com essa premissa extremamente básica e sucinta (a cargo do roteirista David Koepp, um especialista em premissa básicas e sucintas), o diretor Fincher dá o seu melhor (o que jamais foi pouco!) na condução narrativa: Ele constrói tomadas de câmeras formidáveis que exploram ângulos e movimentações dos mais improváveis ao longo de toda a geografia do apartamento (a rigor, o único cenário do filme), e impõe ritmos e atmosferas palpitantes conforme as circunstâncias de mãe e filha confinadas no quarto vão se acirrando –as horas passam enquanto as protagonistas se defrontam com situações que visam escapar da armadilha em que estão, enquanto os antagonistas lançam mão de novas maneiras de ludibriá-las.
Passa longe de ser um argumento original e Fincher sabe disso: Para contrabalancear a previsibilidade escapista do roteiro, ele enxuga todo e qualquer tempo morto no frenesi de seu pequeno conto de acuamento urbano e valoriza a ambiguidade no personagem de Whitaker; um ladrão de bom coração, preocupado com a segurança de suas potenciais vítimas, mas disposto a ir até o fim para livrar-se de  suas insatisfações proletárias.

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