terça-feira, 19 de maio de 2020

Sem Perdão

Quando a Columbia Tris-Star Pictures (hoje, Sony Pictures) financiou um filme para o produtor D. Constantine Conte, o projeto que ele lhes vendeu foi uma espécie de “noir dos anos 1940” transfigurado para o tempo presente de então (1986), no qual Richard Gere interpretava, nas suas palavras, “uma versão contemporânea dos personagens de John Garfield”.
Reza a lenda também que a estrela Kim Basinger foi escalada por que os produtores queriam uma protagonista nos moldes sensuais de Rita Hayworth; uma sensual cena de dança que ela pratica em dado momento do filme faz alusão à famosa cena de Hayworth em “Gilda”.
Entre essas intenções e o resultado final de “Sem Perdão”, no entanto, muita coisa mudou –ou o produtor Conte foi um tremendo malandro...
Na verdade, são os elementos oriundos de um cinema comercial dos anos 1980 baseado em fórmulas que realmente definem “Sem Perdão”. Entretanto, o manejo desses elementos se dá com tanta desenvoltura e suas escolhas resultam tão felizes que  o convencionalismo de sua estrutura e proposta até faz bem: Ele promove uma sensação confortável ao expectador para que absorva a trama sem preocupações acompanhando suas guinadas mais pelo charme com que tudo é narrado do que pela originalidade em si; mais pelo carisma que verte de seus personagens do que propriamente por suas motivações.
Detetive da polícia de Chicago, o instável Eddie Jillette (Richard Gere) tropeça num caso desigual: Um traficante preso lhe confidencia que um figurão lhe fez uma proposta para matar alguém importante em Nova Orleans.
Jillette e seu parceiro, e melhor amigo, mal têm tempo de se passar pelo traficante para obter informações e são atacados –o amigo de Jillette é morto, o que representa um estopim para colocar o policial em rota de colisão com os misteriosos bandidos.
Assim, alimentado pelo desejo de vingança –um mote de nove a cada dez filmes policiais feitos na época –Jillette vai para Nova Orleans atrás da única pista que tem: A escultural Michel (Kim Basinger, uma aparição) que estava presente no momento em que seu amigo foi assassinado e é, possivelmente, a única testemunha viva do ocorrido.
Atuando clandestinamente –pois os tiras daquela jurisdição, representados pelo rabugento Hall (Bruce McGill, de “Ao Vivo de Bagdá”), não o querem investigando ali –Jillette encontra Michel numa boate do bairro barra-pesada Argel, e descobre, após escapar com Michel algemada à ele de um tiroteio, que o lugar (assim como a própria Michel) pertence ao poderoso e perigoso Losado (o ameaçador Jeroen Krabbé, o segundo ator mais reconhecido, depois de Rutger Hauer, dos filmes holandeses de Paul Verhoeven).
Escapando através dos pântanos inóspitos da Lousianna, um algemado ao outro, Jillette e Michel passam dias a vagar nos charcos dos rios e com isso desenvolvem uma espécie de sintonia –seria de fato, desperdício colocar os fotogênicos e sedutores Richard Gere e Kim Basinger em cena sem engendrar aí um romance.
A despeito da trama óbvia (extremamente similar a um grande sucesso da época, a comédia “Um Tira da Pesada”), é nesses aspectos que o filme dirigido por Richard Pearce de fato ganha força. As atuações orgânicas e viscerais de Gere e Basinger trabalham num compasso harmonioso com a direção realista e minimalista, sábia em evidenciar a história e suas nuances de ordem dramática em detrimento da ação e da investigação –características que teriam sido o ponto fraco do filme não fosse essa sensata inclinação ao drama romântico.
É, de fato, no foco dos dois protagonistas, o policial Jillette e a amante do bandidão Michel, que “Sem Perdão” encontra algum diferencial: Apesar da impaciência e da agressividade que pulsa de ambas as partes desde o momento em que fogem aos tiros dos homens de Losado, passando pelos perengues nos pântanos estando algemados, até enfim conseguirem voltar à cidade, é perfeitamente crível a empatia que vai surgindo entre os dois, e que se converte em paixão, estreitando ainda mais a ameaça de Losado sob os apaixonados. Prova de como a química entre eles se mostrou certeira, é que Kim Basinger e Richard Gere realizaram juntos outro filme, anos depois, o suspense “Desejos”.
É claro que, na mescla de gêneros que promove, “Sem Perdão” não vai deixar  que seus desenlaces afetivos terminem sem tiros e explosões, afinal, nos códigos desse tipo específico de dramaturgia –o que os leva até a apoteótica cena final, decalcada, por sua vez, dos exemplares do faroeste –existe, afinal de contas. uma quantia determinada de decibéis a serem dispendidos para que o mocinho e a mocinha se tornem merecedores de chegarem vivos e juntos ao fim do filme.

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