Quando a Columbia Tris-Star Pictures (hoje,
Sony Pictures) financiou um filme para o produtor D. Constantine Conte, o
projeto que ele lhes vendeu foi uma espécie de “noir dos anos 1940”
transfigurado para o tempo presente de então (1986), no qual Richard Gere
interpretava, nas suas palavras, “uma versão contemporânea dos personagens de
John Garfield”.
Reza a lenda também que a estrela Kim Basinger
foi escalada por que os produtores queriam uma protagonista nos moldes sensuais
de Rita Hayworth; uma sensual cena de dança que ela pratica em dado momento do
filme faz alusão à famosa cena de Hayworth em “Gilda”.
Entre essas intenções e o resultado final de
“Sem Perdão”, no entanto, muita coisa mudou –ou o produtor Conte foi um
tremendo malandro...
Na verdade, são os elementos oriundos de um
cinema comercial dos anos 1980 baseado em fórmulas que realmente definem “Sem
Perdão”. Entretanto, o manejo desses elementos se dá com tanta desenvoltura e
suas escolhas resultam tão felizes que o
convencionalismo de sua estrutura e proposta até faz bem: Ele promove uma
sensação confortável ao expectador para que absorva a trama sem preocupações
acompanhando suas guinadas mais pelo charme com que tudo é narrado do que pela
originalidade em si; mais pelo carisma que verte de seus personagens do que
propriamente por suas motivações.
Detetive da polícia de Chicago, o instável
Eddie Jillette (Richard Gere) tropeça num caso desigual: Um traficante preso
lhe confidencia que um figurão lhe fez uma proposta para matar alguém importante
em Nova Orleans.
Jillette e seu parceiro, e melhor amigo, mal
têm tempo de se passar pelo traficante para obter informações e são atacados –o
amigo de Jillette é morto, o que representa um estopim para colocar o policial
em rota de colisão com os misteriosos bandidos.
Assim, alimentado pelo desejo de vingança –um
mote de nove a cada dez filmes policiais feitos na época –Jillette vai para
Nova Orleans atrás da única pista que tem: A escultural Michel (Kim Basinger,
uma aparição) que estava presente no momento em que seu amigo foi assassinado e
é, possivelmente, a única testemunha viva do ocorrido.
Atuando clandestinamente –pois os tiras daquela
jurisdição, representados pelo rabugento Hall (Bruce McGill, de “Ao Vivo de Bagdá”), não o querem investigando ali –Jillette encontra Michel numa boate do
bairro barra-pesada Argel, e descobre, após escapar com Michel algemada à ele
de um tiroteio, que o lugar (assim como a própria Michel) pertence ao poderoso
e perigoso Losado (o ameaçador Jeroen Krabbé, o segundo ator mais reconhecido,
depois de Rutger Hauer, dos filmes holandeses de Paul Verhoeven).
Escapando através dos pântanos inóspitos da
Lousianna, um algemado ao outro, Jillette e Michel passam dias a vagar nos
charcos dos rios e com isso desenvolvem uma espécie de sintonia –seria de fato,
desperdício colocar os fotogênicos e sedutores Richard Gere e Kim Basinger em
cena sem engendrar aí um romance.
A despeito da trama óbvia (extremamente similar
a um grande sucesso da época, a comédia “Um Tira da Pesada”), é nesses aspectos
que o filme dirigido por Richard Pearce de fato ganha força. As atuações
orgânicas e viscerais de Gere e Basinger trabalham num compasso harmonioso com
a direção realista e minimalista, sábia em evidenciar a história e suas nuances
de ordem dramática em detrimento da ação e da investigação –características que
teriam sido o ponto fraco do filme não fosse essa sensata inclinação ao drama
romântico.
É, de fato, no foco dos dois protagonistas, o
policial Jillette e a amante do bandidão Michel, que “Sem Perdão” encontra
algum diferencial: Apesar da impaciência e da agressividade que pulsa de ambas
as partes desde o momento em que fogem aos tiros dos homens de Losado, passando
pelos perengues nos pântanos estando algemados, até enfim conseguirem voltar à
cidade, é perfeitamente crível a empatia que vai surgindo entre os dois, e que
se converte em paixão, estreitando ainda mais a ameaça de Losado sob os
apaixonados. Prova de como a química entre eles se mostrou certeira, é que Kim
Basinger e Richard Gere realizaram juntos outro filme, anos depois, o suspense “Desejos”.
É claro que, na mescla de
gêneros que promove, “Sem Perdão” não vai deixar que seus desenlaces afetivos terminem sem
tiros e explosões, afinal, nos códigos desse tipo específico de dramaturgia –o que
os leva até a apoteótica cena final, decalcada, por sua vez, dos exemplares do
faroeste –existe, afinal de contas. uma quantia determinada de decibéis a serem
dispendidos para que o mocinho e a mocinha se tornem merecedores de chegarem
vivos e juntos ao fim do filme.
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