A sorte –ou, em contraponto à ela, o azar –é um
conceito abstrato ou trata-se de algo real, manejável, negociável? Gira em
torno da segunda opção a ideia central deste filme do diretor espanhol Juan
Carlos Fresnadillo que apresenta, do início ao fim, um equilíbrio e um domínio
narrativo a conduzir com primor sua trama habilmente dividida entre as
inverossimilhanças do fantasioso e a austeridade do realismo –sem nunca, no
entanto, ceder às implicações convencionais de um ou de outro.
O intrincado novelo de trama, sub-tramas e
diversos personagens começa com Federico (Eusebio Poncela, de “800 Balas”),
dono de um dom curioso: Com um toque na mão, ele é capaz de absorver a sorte de
outras pessoas; habilidade muito útil nos cassinos onde trabalha (e prospera)
extraindo a sorte de ganhadores inconvenientes que ameaçam prejudicar a casa.
Mas, Federico é traído por suas próprias
pretensões: Ele quer deixar esse ramo e usar a quantia absurda de sorte que
absorveu para ganho próprio. No entanto, o Judeu (o sempre magnífico Max Von
Sydow), seu chefe, também tem tal dom, e com ele tira esse ‘poder’ de Federico,
tornando-o um homem ordinário, antes de abandoná-lo, por assim dizer, à própria
sorte.
Após esse prólogo minucioso, passam-se sete
anos, e Fresnadillo (numa narrativa que espelha a inteligência arguta de
grandes obras do cinema argentino) finalmente começa a introduzir o
protagonista de fato do filme: O aparentemente desafortunado Tomás (Leonardo
Sbaraglia) que, ao sobreviver num acidente aéreo vai diretor para o jugo da
polícia: Ele trazia consigo maços de dinheiro roubado colados ao corpo (!).
Contudo, Tomás cai no radar de Federico que,
nos últimos anos, tentou rastrear indivíduos com a sorte sobrehumana que ele
tem –afinal, ele foi o único sobrevivente dentre 237 pessoas naquele avião que
caiu! –a fim de tentar aproximar-se novamente do Judeu e obter sua revanche.
O roteiro de Fresnadillo, porém, não se acomoda
somente nesse princípio básico já cheio de nuances –e que, em si, representaria
um desafio para um diretor menos hábil –ele apresenta outros personagens,
essenciais à progressão nunca previsível da história, como Sara (Mónica Lopez),
uma policial sobrevivente de um trágico acidente que está no encalço de Tomás
(e cuja tragédia a torna também alguém capaz de sugar a sorte alheia); ou
Alejandro (Antonio Dechent, de “Juan dos Mortos”), mais um apostador nos moldes
de Tomás e Federico, cujo caminho, ao cruzar-se com Sara, inclui todos eles num
mesmo e rocambolesco plano que culminará, mais uma vez, nos domínios do Judeu.
Há parcimônia e zelo
insuspeitos na condução do diretor Fresnadillo. Se por um lado seu trabalho
dosa elementos mirabolantes agregados às características mais plausíveis de sua
premissa obtendo um todo harmonioso em sua engenhosidade, por outro, ele
preserva uma narrativa sempre lenta e uma direção de atores onde ninguém
consegue brilhar mais que o veterano Von Sydow, mas estes são detalhes pontuais
demais, insignificantes demais, diante do filme sólido, envolvente e
francamente notável que ele consegue urgir.
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