Na transição da década de 1960 para 70, o
cinema norte-americano se achava em transformação; os estúdios buscavam
absorver a mentalidade das novas plateias de então –que enxergavam com
contestamento o paladar cinematográfico das gerações de outrora –e jovens
cineastas começavam a ditar novos e ousados rumos para o futuro da indústria e
da arte.
Oriundo da geração clássica de autores que
brilharam na Hollywood de antigamente, o aclamado diretor Joseph L. Mankiewicz
–dono de um recorde em indicações ao Oscar; 14, por “A Malvada” –enveredou,
pela primeira e única vez em sua carreira, no gênero do faroeste (também ele se
convertendo numa antiguidade naqueles tempos) e realizou uma mescla
bem-humorada de faroeste, comédia e filme de prisão –logo, um faroeste
revisionista, como estava em voga.
Engana-se, porém, quem presumir que “Ninho de
Cobras” é uma tentativa de Mankiewicz realizar uma recuperação de narrativas
clássicas: Desde a canção “There Was A Crooked Man” que abre o filme num tom
curiosamente descontraído, o filme trata o gênero e os personagens com um
impiedoso filtro moral pleno de ironia e sarcasmo que se insere com relativa
adequação àqueles novos tempos mais dotados de cinismo.
A rica mansão de um milionário abastado recebe
a visita sorrateira de vários cowboys cujas montarias têm panos envolvendo suas
ferraduras: Sinal de que, ao lá chegar na surdina, suas intenções não são boas.
De fato, em instantes, a casa está sendo
assaltada: A direção de Mankiewicz, no entanto, não nos inspira repulsa aos
criminosos, nem compaixão à família assaltada devido à atenção que dedica aos
detalhes, como a ênfase no casal de empregados negros, escravos da casa e, em
especial, o indefectível carisma do líder do bando, o intratável, mas,
articulado e sorridente Paris Pitman Jr., vivido com o brilho habitual por Kirk
Douglas.
Na fuga tumultuada –da qual somente Paris
consegue escapar vivo –o patriarca leva um tiro no braço, enfermidade que, no
dia seguinte, ele almeja esquecer fazendo uma visita no prostíbulo local; mas,
eis que o próprio Paris, após esconder o dinheiro roubado, é descoberto lá
também!
Ele vai preso e, na sucessão de cenas que se
segue, conhecemos outros personagens que irão igualmente presos –o jovem e
boa-pinta Coy Cavendish (Michael Blodgett), capturado por envolver-se com a mulher
errada, fulminando quase sem querer o marido dela; a dupla de trapaceiros já
veteranos Dudley (Hume Cronyn) e Cyrus (John Randolph); e o renegado Floyd Moon
(Warren Oates) –assim como o sempre reto e certo homem da lei, xerife Woodward
W. Lopeman, interpretado pelo sempre honorável Henry Fonda (exatamente um ano
depois que ele fez história no cinema vivendo o único vilão de sua carreira no
seminal “Era Uma Vez No Oeste”).
Esse grupo de numerosos personagens e outros
mais –como o velho prisioneiro Missouri Kid (Burgess Meredith, de “Rocky-Um Lutador”) e o chinês fortão e calado Ah-Ping (C.K. Yang) –se reúnem na mesma
cela de cadeia quando são todos despachados para uma precária penitenciária do
Arizona; e lá formam uma equipe inicialmente relutante onde cada um tem uma
papel no plano de fuga já engendrado por Paris.
Entretanto, nesse meio-tempo, uma rebelião
inesperada provoca a morte do displicente diretor do lugar, levando-o a ser
substituído justamente pelo xerife Lopeman, em vias de abandonar a turbulenta rotina
de xerife para assumir um cargo mais ameno e administrativo.
Trazendo ideias progressistas para o lugar,
Lopeman almeja reduzir os trabalhos forçados, impor novos hábitos higiênicos e
levar os prisioneiros a construir um refeitório para eles mesmos, tarefa com a
qual ele acaba contando com a influência que Paris Pitman possui sobre todos
ali –afinal, a história de que ele tem uma bela soma de dinheiro escondida em
algum lugar lhe esperando fugir da prisão é de conhecimento de todos; e todos
desejam que ele os chame para ter parte em sua escapatória.
Embora partindo de uma premissa já bastante
original para um faroeste –nada de mocinhos contra bandidos, nem duelos mortais
arquitetados até a última cena, mas sim o incerto planejamento de uma fuga de
prisão que tem tudo para dar errado –o diretor Mankiewicz (junto dos
roteiristas David Newman e Robert Benton, os mesmos de “Bonnie & Clyde-Uma Rajada de Balas”) não se satisfaz
com o inusitado de sua trama e trabalha brilhantemente também sua estrutura:
Movidos muitas vezes por motivos dúbios e amparados em um ambiguidade
constantemente cômica, os personagens migram de conluios à traições ao longo do
filme à medida que os planos de Paris caminham para seu inevitável desfecho.
Que, para muitos de seus expectadores deve ter
soado deveras inesperado pela sua natureza
tão cruel quanto irônica.
Eu assisti “Ninho de Cobras” pela primeira vez
quando era bem pequeno, ainda criança. Lembro que seu final me pegou de
surpresa. Lembro que, por isso mesmo, o filme ficou na minha memória como algo
melancólico, fatalista até.
Submetendo “Ninho de Cobras” à uma revisão, já
adulto, passados tantos anos, compreendi que aquele teor melancólico que sempre
acompanhou minhas recordações no filme, na realidade, não existe: Do início ao
fim, “Ninho de Cobras” espelha o cinismo daqueles novos tempos, fornecendo
destinos amargos à todos os seus personagens, do protagonista aos coadjuvantes
(bem, com exceção de um...), sem entretanto despir-se da graça e da galhofa.
Aquele lamento, aquela
carga ligeiramente dramática com a qual
eu relacionava este filme estava mais ligada ao meu próprio apego inerente aos
personagens (e à simpatia inquestionável desse grande Kirk Douglas) do que ao
tratamento despojado dado a eles pelos realizadores.
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