quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Os Sete Samurais

Realização sem par do mestre Akira Kurosawa, “Os Sete Samurais” é até hoje fonte de inspiração direta ou indireta para inúmeras produções que aproveitaram sua poderosa e contundente premissa –de aproveitamentos temáticos (a animação “Vida de Inseto”) à reinvenções declaradas (“Sete Homens e Um Destino”) –na qual os oprimidos são defendidos dos opressores por heróis que se submetem ás circunstâncias pela simples execução de seu dever.
E a narrativa toda particular de Kurosawa ainda comparece a tornar a trama de coragem e ímpeto, mais formidável: As silhuetas ameaçadoras dos bandidos surgem na paisagem dando a eles atributos dos cavaleiros do apocalipse. Não deixa de ser isso que eles representam para a paupérrima aldeia que almejam saquear, um rito que repetem a cada estação.
Entretanto, o arroz daquele ano já havia sido roubado. Decidem então voltar em alguns meses, quando houver uma nova colheita para ser saqueada.
Os aldeões, com razão, desesperam-se: A colheita que  obtêm, mal provê sua subsistência; deixar-se roubar, significa penúria e fome para todos. Não deixar significa morte ante espadas inclementes e sem escrúpulo.
O que fazer?
O ancião da aldeia surge com uma sábia sugestão: Quando jovem, ele teve a oportunidade de contemplar uma aldeia protegida por samurais que, devido à essa defesa, crescia magnífica e próspera.
Contudo, os aldeões não dispõem de dinheiro para contratar samurais. A saída é, portanto, procurar pelos guerreiros de circunstância mais periclitante –aqueles que aceitarão a tarefa em troca da única coisa que eles têm a oferecer: Pratos de comida.
Os quatros lavradores designados para a tarefa inicialmente têm dificuldades. Os samurais são orgulhosos e dificilmente aceitariam uma missão de recompensas tão simplórias.
A esperança só começa a se materializar quando eles conhecem Kambei (o espetacular Takashi Shimura, também protagonista do magistral “Viver”, de Kurosawa) guerreiro veterano e íntegro que aceita a tarefa por seu caráter humanista.
No rastro de Kambei, outros samurais surgem, como o eufórico aprendiz Katsushiro (Isao Kimura) e o intratável e incorrigível Kikuchyio (o fabuloso Toshiro Mifune), reunindo o necessário número de sete combatentes:  Quatro para proteger os correspondentes flancos da aldeia, outros três para agir no contra-ataque.
A narrativa em estado de graça de Akira Kurosawa acompanha cada um desses desenlaces rumo à tão alardeada batalha com atenção minimalista e incomum aos detalhes: O desânimo resfolegante quando um samurai recusa a oferta, contrabalanceado pela euforia vívida de quando um deles a aceita; as peculiares personalidades de cada um dos sete guerreiros, vislumbradas em sucessivas sequências tão bem dirigidas e interpretadas quanto bem enquadradas pelo jogo primordial de câmeras; a chegada à aldeia que contrapõe os heróis solidários ao desdém dos próprios indefesos que foram proteger (os aldeões se deixaram intoxicar pelas histórias de que os vigorosos e abstinentes samurais estariam àvidos para desfrutar suas mulheres e filhas como pagamento pela proteção); a intervenção do desbocado Kikuchyio (até então tratado pelos seus pares e pelo filme como um bufão imprestável) que escancara aos aldeões sua ingratidão para com seus próprios heróis; e, por fim, a preparação a um só tempo empolgante e gradualmente tensa para a batalha que ocupa os últimos fenomenais quarenta minutos.
Construída com um preciosismo visual que logo tornou Kurosawa único entre os estetas cinematográficos de seu tempo, a batalha final é composta de sequências longas e memoráveis que tratam o combate como aquilo que ele é: Uma tensa e desgastante prova de resistência a se estender por horas e dias, cobrando de seus participantes sangue, esforço e tenacidade; Kurosawa deixa claro que o diferencial dos samurais em relação aos aturdidos homens comuns que lideram (e aos bandidos ensandecidos que enfrentam) é o equilíbrio invejável que conseguem manter sob pressão.
Outra coisa fica clara também: A incapacidade do diretor japonês em satisfazer-se com o que não é impecável; também em seu clímax, “Os Sete Samurais” entrega ainda mais momentos primorosos, como a audaciosa manobra do corajoso Kyuzô (Seiji Miyaguchi, de “Flor Seca”) ao tirar uma arma dos inimigos em seu próprio refúgio; o gesto de Kikychyio para tentar repetir essa façanha (e que resulta em divertida confusão); o instante mais intimista em que uma relação amorosa de Katsushiro termina de maneira lamentável, e o derradeiro conflito contra os bandidos desenvolvido debaixo de chuva torrencial e incessante, convergindo inúmeros momentos de embate e tensão transcorridos paralelamente.
Talvez, a mais famosa obra de Akira Kurosawa, “Os Sete Samurais” oferece ao público, ininterruptamente, algumas das mais formidáveis sequências de ação do cinema japonês, ao mesmo tempo em que forneceu, ao cinema mundial, um de seus mais louvados e estupendos exemplares.

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