Realização sem par do mestre Akira Kurosawa,
“Os Sete Samurais” é até hoje fonte de inspiração direta ou indireta para
inúmeras produções que aproveitaram sua poderosa e contundente premissa –de
aproveitamentos temáticos (a animação “Vida de Inseto”) à reinvenções
declaradas (“Sete Homens e Um Destino”) –na qual os oprimidos são defendidos
dos opressores por heróis que se submetem ás circunstâncias pela simples
execução de seu dever.
E a narrativa toda particular de Kurosawa ainda
comparece a tornar a trama de coragem e ímpeto, mais formidável: As silhuetas
ameaçadoras dos bandidos surgem na paisagem dando a eles atributos dos
cavaleiros do apocalipse. Não deixa de ser isso que eles representam para a
paupérrima aldeia que almejam saquear, um rito que repetem a cada estação.
Entretanto, o arroz daquele ano já havia sido
roubado. Decidem então voltar em alguns meses, quando houver uma nova colheita
para ser saqueada.
Os aldeões, com razão, desesperam-se: A colheita
que obtêm, mal provê sua subsistência;
deixar-se roubar, significa penúria e fome para todos. Não deixar significa
morte ante espadas inclementes e sem escrúpulo.
O que fazer?
O ancião da aldeia surge com uma sábia
sugestão: Quando jovem, ele teve a oportunidade de contemplar uma aldeia
protegida por samurais que, devido à essa defesa, crescia magnífica e próspera.
Contudo, os aldeões não dispõem de dinheiro
para contratar samurais. A saída é, portanto, procurar pelos guerreiros de
circunstância mais periclitante –aqueles que aceitarão a tarefa em troca da
única coisa que eles têm a oferecer: Pratos de comida.
Os quatros lavradores designados para a tarefa
inicialmente têm dificuldades. Os samurais são orgulhosos e dificilmente
aceitariam uma missão de recompensas tão simplórias.
A esperança só começa a se materializar quando
eles conhecem Kambei (o espetacular Takashi Shimura, também protagonista do
magistral “Viver”, de Kurosawa) guerreiro veterano e íntegro que aceita a
tarefa por seu caráter humanista.
No rastro de Kambei, outros samurais surgem,
como o eufórico aprendiz Katsushiro (Isao Kimura) e o intratável e incorrigível
Kikuchyio (o fabuloso Toshiro Mifune), reunindo o necessário número de sete
combatentes: Quatro para proteger os
correspondentes flancos da aldeia, outros três para agir no contra-ataque.
A narrativa em estado de graça de Akira
Kurosawa acompanha cada um desses desenlaces rumo à tão alardeada batalha com
atenção minimalista e incomum aos detalhes: O desânimo resfolegante quando um
samurai recusa a oferta, contrabalanceado pela euforia vívida de quando um
deles a aceita; as peculiares personalidades de cada um dos sete guerreiros,
vislumbradas em sucessivas sequências tão bem dirigidas e interpretadas quanto
bem enquadradas pelo jogo primordial de câmeras; a chegada à aldeia que
contrapõe os heróis solidários ao desdém dos próprios indefesos que foram
proteger (os aldeões se deixaram intoxicar pelas histórias de que os vigorosos
e abstinentes samurais estariam àvidos para desfrutar suas mulheres e filhas
como pagamento pela proteção); a intervenção do desbocado Kikuchyio (até então
tratado pelos seus pares e pelo filme como um bufão imprestável) que escancara
aos aldeões sua ingratidão para com seus próprios heróis; e, por fim, a
preparação a um só tempo empolgante e gradualmente tensa para a batalha que
ocupa os últimos fenomenais quarenta minutos.
Construída com um preciosismo visual que logo
tornou Kurosawa único entre os estetas cinematográficos de seu tempo, a batalha
final é composta de sequências longas e memoráveis que tratam o combate como
aquilo que ele é: Uma tensa e desgastante prova de resistência a se estender
por horas e dias, cobrando de seus participantes sangue, esforço e tenacidade;
Kurosawa deixa claro que o diferencial dos samurais em relação aos aturdidos
homens comuns que lideram (e aos bandidos ensandecidos que enfrentam) é o
equilíbrio invejável que conseguem manter sob pressão.
Outra coisa fica clara também: A incapacidade
do diretor japonês em satisfazer-se com o que não é impecável; também em seu clímax,
“Os Sete Samurais” entrega ainda mais momentos primorosos, como a audaciosa
manobra do corajoso Kyuzô (Seiji Miyaguchi, de “Flor Seca”) ao tirar uma arma
dos inimigos em seu próprio refúgio; o gesto de Kikychyio para tentar repetir
essa façanha (e que resulta em divertida confusão); o instante mais intimista
em que uma relação amorosa de Katsushiro termina de maneira lamentável, e o
derradeiro conflito contra os bandidos desenvolvido debaixo de chuva torrencial
e incessante, convergindo inúmeros momentos de embate e tensão transcorridos
paralelamente.
Talvez, a mais famosa obra
de Akira Kurosawa, “Os Sete Samurais” oferece ao público, ininterruptamente,
algumas das mais formidáveis sequências de ação do cinema japonês, ao mesmo
tempo em que forneceu, ao cinema mundial, um de seus mais louvados e estupendos
exemplares.
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