segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Pagando Bem, Que Mal Tem?

Embora muitos considerem seu primeiro longa-metragem, “O Balconista”, como um cult-movie, o diretor e roteirista Kevin Smith na verdade passou toda sua carreira tentando, de alguma forma, repetir o êxito obtido em “Procura-Se Amy”, indiscutivelmente sua obra-prima.
Mais esforçado nesse sentido, “Zack And Miri Make A Porno” –ou “Pagando Bem, Que Mal Tem?” –busca mesclar a visão despojada que Smith possui dos romances modernos com as gracejos antenados e referenciais que ele tanto gosta; temperados aqui com o atrevimento inerente ao tema.
O resultado continua sendo uma comédia romântica onde os jovens apaixonados envolvidos se revelam até castos em seu amor, embora disfarce essa simplicidade com uma muralha de ousadia, vulgaridade e, por que não, metalinguagem.
Zack e Miri (Seth Rogen e Elizabeth Banks, reunidos em cena depois de fazerem juntos “O Virgem de 40 Anos”) são grandes amigos desde os tempos de colégio.
À beira dos 30 anos, eles moram juntos em Pittsburgh, e juntos vão de mal a pior: Dividem um apartamento cujas contas estão todas atrasadas, e eles, prestes a serem despejados.
É durante a reunião da classe estudantil de seu ano de formatura, onde conhecem o casal de homossexuais vivido por Brandon Routh e Justin Long (este último, um ator de filmes pornô-gay!), que Zack tem um lampejo da possível solução: Fazer um filme pornô que, na pior das hipóteses, terá como público todos aqueles que conheceram ele e Miri.
Afinal, conclui ele, se um video de celular mostrando Miri sendo espiada exibindo a calcinha tem milhares de visualizações na internet, um filme pornô protagonizado pelos dois haveria de tirá-los da penúria.
Com isso, Zack arranja um produtor –Delaney (Craig Robinson, de “Miss Março-A Garota da Capa”), seu amigo de trabalho numa cafeteria –e contrata um cameraman (Jeff Anderson) –na verdade, um colega do time de hóquei –e os atores, Lester (Jason Mewes, intérprete de Jay, parceiro de Kevin Smith na dupla Jay & Silent Bob) e Barry (Ricky Mabe), e as atrizes Bubbles e Stacey (as estrelas pornôs Tracy Lords e Katie Morgan).
A trupe arregaça as mangas para realizar a paródio-pornô “Star Whores” (!) (óbvio que, sendo o fã assumido de “Star Wars” que é, Kevin Smith não resistiria à tentação de parodiar seu monumento pop preferido), entretanto, na manhã do início das filmagens, eles perdem todo o equipamento, figurino e cenários nos quais investiram seu dinheiro: O depósito alugado pelas filmagens foi posto à baixo assim que seu locatário vigarista fugiu com a grana (!).
A saída é usar a cafeteria onde Zack e Delaney trabalham como cenário para as estripulias eróticas (!), o que inclui uma cena escrita especialmente para Zack e Miri –ou seus personagens, como quiserem... –antes da qual eles insistem, para os outros e para si mesmos, que será somente sexo e nada mais; algo que não pretendem deixar interferir na sua longeva amizade.
Contudo, é visível desde o começo que os planos no roteiro de Kevin Smith rumam na direção oposta: Zack e Miri, sim, se amam, e a circunstância um tanto insólita do pornô que resolvem produzir cria a deixa para darem um passo além na relação que, de outro modo, jamais dariam.
Como lidar com isso é pois a questão que vai tomando conta do filme quando ele já entra em seu último terço –e quando o divertido aspecto  de ‘bastidores da pornografia’ vai ficando de lado em prol do romance mais pueril e algo enfadonho dos protagonistas; em parte porque Kevin Smith já foi muito mais habilidoso e original ao escrever sobre relacionamentos em outras ocasiões, e porque Seth Rogen e Elizabeth Banks não têm a mais fervilhante das químicas.
Há certo mérito na forma graciosa e cheia de propriedade com que Smith consegue evitar que sua obra despenque para uma apologia ao erotismo –mesmo sendo, a rigor, um risco que corre do início ao fim –e na tentativa, não completamente bem-sucedida, de mesclar, já em seu desfecho, as considerações artísticas e narrativas do filme em produção, com o romance complicado entre Zack e Miri –e, portanto, com o próprio filme a que pertencem –mas, essas características admiráveis são eclipsadas pela inclinação de Smith às piadas grosseiras e imaturas que povoam todos os seus filmes, e pela comodidade de moldar sua obra em função de um redundante gênero cinematográfico, a comédia romântica.

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