terça-feira, 16 de março de 2021

Butch Cassidy


 Nascido durante o revisionismo do faroeste acometido nos anos 1960 e 70, “Butch Cassidy & Sundance Kid” é um trabalho sólido em relação à sua proposta e à sua categoria. Ao abordar a história real da Gangue do Buraco na Parede –com ênfase, evidentemente, em seu líder e seu braço-direito –o roteiro de William Goldman fala sobre a própria transformação do gênero enquanto cinema.

Os créditos iniciais de “Butch Cassidy” surgem em meio a um filme de tom sépia, ao estilo do cinema mudo, flagrando com galhofa agridoce e silenciosa as desventuras do bando liderado por Butch Cassidy (Paul Newman). O próprio Butch é introduzido na cena seguinte, uma sequência cheia de cortes rápidos, claustrofóbica até, onde o assaltante de bancos se dá conta dos novos obstáculos proporcionados pelo avanço tecnológico ao seu ofício: Alarmes, fechaduras mais eficientes, cofres mais resistentes. O progresso dificulta a vida do fora-da-lei, e ele lamenta.

Sundance Kid (Robert Redford), seu fiel parceiro, é apresentado logo depois, numa cena de orientação absolutamente oposta (indicativa da índole distinta de ambos): Um espaço mais aberto e mais iluminado (uma mesa de bar onde uma partida de cartas se segue), quase um único take a acompanhar toda a ação; A boa sorte de Sundance desperta as desconfianças de seu adversário que ameaça iniciar um duelo, no entanto, a fama de pistoleiro implacável de Sundance logo drena a coragem do oponente.

Esses são, pois, os protagonistas do filme que se segue –cujas cores na direção de fotografia vencerado do Oscar surgem logo após essas duas cenas. No ponto em que a trama de fato começa, a Gangue do Buraco na Parede já se encontra fragmentada. Rixas internas e a constatação geral da vida cada vez mais árdua de assaltante baixaram o moral do grupo. Ainda assim, a entusiasmada liderança de Butch os convence a mais alguns golpes. Durante um assalto a um trem, contudo, Butch e Sundance descobrem um grupo, financiado pelo dono da transportadora, para que os peguem a qualquer custo. O rastreador deles tem uma capacidade sobrehumana de descobrir a trilha dos fugitivos, e essa perseguição que se estende por dias –e da qual escapam por um triz –leva Butch, Sundance e Etta (Katharine Ross), a namorada dos dois (!), a arrumar as malas em direção ao leste.

Todavia, os planos de Butch e Sundance não envolvem sossegar: Homens selvagens e indomáveis, eles cultivam a ideia de procurar ação nas guerrilhas que se desenrolam no México, onde haverão de encontrar meios para enriquecer, sem perceber que essa predisposição aventureira os conduz ao próprio fim.

Embora a química da dupla principal transborde carisma e bom-humor –não raro, transfigurado em cenas descontraídas como o passeio de bicicleta, ao som da canção vencedora do Oscar, “Raindrops Keep Fallin’ On My Head” –há, na narrativa de “Butch Cassidy”, um viés primorosamente evidente da amargura em perceber o tempo passar: Isso surge tanto em momentos de constatação (os cofres do trem, que agora suportam até suas cargas de dinamite), como de indignação (quando, mais tarde, Butch se livra da bicicleta, descontando nela seu rancor pela tecnologia que vem pra complicar sua vida) e até de certo sarcasmo (quando, ao tentar prejudicar seus perseguidores, ele tenta soltar seus cavalos e os animais, mais inteligentes, não arredam o pé de onde foram deixados).

Imenso sucesso de público e de crítica e, mesmo hoje, um filme cujo reconhecimento suportou magnificamente bem o teste do tempo, “Butch Cassidy” pode surpreender, com sua discrição e sua postura mais séria, os expectadores atraídos pela sua fama de obra divertida e saborosa (o que ele de fato é); o diretor George Roy Hill –que anos depois, realizou com Newman e Redford o também genial “Golpe de Mestre” –constrói um filme empolgante e antológico, divertido no seu registro sempre minucioso e cuidadoso dos percalços lastimáveis dos aventureiros do oeste, mas atento ao elemento crepuscular a pairar sobre todos eles, na reta final de suas jornadas, que reflete também, por sua vez, o crepúsculo do próprio gênero do faroeste em si.

Nenhum comentário:

Postar um comentário