segunda-feira, 7 de junho de 2021

O Horror dos Homens Deformados


 O terror, o medo podem vir dos lugares mais imprevistos. De uma história infantil cujas tonalidades macabras nunca de fato deixaram nosso inconsciente; da evocação alarmista (e muitas vezes necessária) de absurdos históricos bem reais; ou até mesmo de algo mais subjacente, sem uma clara definição e destituído de uma explicação mais lógica.

Diretor de inúmeras obras transgressivas naqueles transgressivos anos 1970, o japonês Teruo Ishii transforma o medo, em seu “O Horror dos Homens Deformados”, numa particularidade que determina a estranheza de seu trabalho do início ao fim, esbaldando-se com o caráter alucinatório de sua premissa e construindo uma atmosfera onde o absurdo geral dos acontecimentos só alimenta essa sensação de apreensão.

“O Horror...” já começa desconstruindo as expectativas do público ao começar com uma cena dentro de uma cela do que talvez seja um hospício. Várias jovens mulheres surtam –entre risos e gritos –e tiram a roupa na presença de um intrigante intruso. Hirosuke (Teruo Yoshida, de “Goke-O Vampiro do Espaço”) está lá como um dos internos do lugar, embora, em sua compleição lúcida, não pareça um daqueles loucos. Mas, é só fachada: Hirosuke é atormentado por lembranças do que supostamente seria sua terra-natal; as visões de uma colina à beira-mar e os sons de uma música de ninar ouvida quando criança.

Tais pistas, e mais o encontro com uma jovem moradora de um circo que termina assassinada (!), lhe dão indícios o suficiente para desvendar esse mistério: Ao que tudo indica, Hirosuke veio de uma das ilhas do Japão e segue para o litoral. Lá, ele descobre, um tanto tarde demais, aquele que seria seu irmão gêmeo; um morador abastado do lugar, idêntico a ele, que acabara de morrer. Hirosuke lhe toma o lugar e é recebido com estarrecimento pela esposa, pela amante e pela criadagem como sendo o falecido, agora ressuscitado.

Todavia, a procura de Hirosuke por respostas não para: Enquanto tenta ocultar de todos à sua volta sua real identidade, ele segue rumo à outra ilha, na qual isolou-se seu suposto pai.

É lá que as insanidades de Teruo Ishii, até então ocasionais e discretas, assumem características bizarras e assombrosas. Interpretado com pantomina surreal por Tatsumi Hijikata (dançarino e coreógrafo criador da dança estilizada do butô), o pai de Hirosuke revela-se um indivíduo de aspirações insanas, alheias aos convencionalismos da natureza e da humanidade; seu objetivo é criar uma sociedade alternativa de pessoas deformadas (e, de fato, elas povoam toda a ilha com imagens saídas de algum quadro surrealista de  Peter Brugel ou Hieronymus Bosch) e para tanto, Hirosuke, seu filho, tem papel determinante. Esse personagem, de Tatsumi Hijikata, é pois uma variação japonesa de “A Ilha do Dr. Moreau”, de H.G. Wells, levando à extremos o complexo de Deus, e as próprias fronteiras irrisíveis entre visionarismo e loucura.

Poderia-se presumir que a obra de Teruo Ishii, em princípio, referencia a tragédia nuclear de Hiroshima e Nagazaki no seu emprego de seres deformados (sobreviventes da bomba atômica) como elementos do terror –e à todo um sub-gênero dentro do cinema de terror japonês à abordar essa questão –mas, não: Em sua singularidade e originalidade, “O Horror dos Homens Deformados” se despe de mensagens ideológicas para perseguir algo muito mais translúcido: O estranhamento puro e simples oriundo de uma sensação de ar rarefeito.

Na caracterização pavorosa e desigual de seu antagonista, na crueldade non-sense, perturbadora e certamente inverossímil de seus planos e nas cenas desconcertantes que se vale para materializá-los na meia hora final, o filme de Teruo Ishii deseja testar seus limites a fim de encontrar o horror mais puro às custas da própria coerência.

E, em seu favor, é possível dizer que chega muito perto de conseguir; artisticamente, seu filme é notável em termos técnicos e dramáticos, e a soma de suas partes, com frequência, resulta num todo incomum, impressionante e intrigante.

Contra ele, no entanto, pode-se dizer que tal estranhamento nunca tarda a contaminar a obra, a ponto de muitos momentos oscilarem entre o tenebroso, o esquisito e o patético. Exemplo disso, a cena final, um ajuste de contas existencial, sentimental e físico entre os muitos personagens envolvidos na intriga desigual e central do filme, termina numa sequência tão inacreditável e radical quanto abilolada, deixando o expectador boquiaberto diante de tamanha falta de noção.

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