O terror, o medo podem vir dos lugares mais imprevistos. De uma história infantil cujas tonalidades macabras nunca de fato deixaram nosso inconsciente; da evocação alarmista (e muitas vezes necessária) de absurdos históricos bem reais; ou até mesmo de algo mais subjacente, sem uma clara definição e destituído de uma explicação mais lógica.
Diretor de inúmeras obras transgressivas
naqueles transgressivos anos 1970, o japonês Teruo Ishii transforma o medo, em
seu “O Horror dos Homens Deformados”, numa particularidade que determina a
estranheza de seu trabalho do início ao fim, esbaldando-se com o caráter
alucinatório de sua premissa e construindo uma atmosfera onde o absurdo geral
dos acontecimentos só alimenta essa sensação de apreensão.
“O Horror...” já começa desconstruindo as
expectativas do público ao começar com uma cena dentro de uma cela do que
talvez seja um hospício. Várias jovens mulheres surtam –entre risos e gritos –e
tiram a roupa na presença de um intrigante intruso. Hirosuke (Teruo Yoshida, de
“Goke-O Vampiro do Espaço”) está lá como um dos internos do lugar, embora, em
sua compleição lúcida, não pareça um daqueles loucos. Mas, é só fachada:
Hirosuke é atormentado por lembranças do que supostamente seria sua terra-natal;
as visões de uma colina à beira-mar e os sons de uma música de ninar ouvida
quando criança.
Tais pistas, e mais o encontro com uma jovem
moradora de um circo que termina assassinada (!), lhe dão indícios o suficiente
para desvendar esse mistério: Ao que tudo indica, Hirosuke veio de uma das
ilhas do Japão e segue para o litoral. Lá, ele descobre, um tanto tarde demais,
aquele que seria seu irmão gêmeo; um morador abastado do lugar, idêntico a ele,
que acabara de morrer. Hirosuke lhe toma o lugar e é recebido com
estarrecimento pela esposa, pela amante e pela criadagem como sendo o falecido,
agora ressuscitado.
Todavia, a procura de Hirosuke por respostas
não para: Enquanto tenta ocultar de todos à sua volta sua real identidade, ele
segue rumo à outra ilha, na qual isolou-se seu suposto pai.
É lá que as insanidades de Teruo Ishii, até
então ocasionais e discretas, assumem características bizarras e assombrosas.
Interpretado com pantomina surreal por Tatsumi Hijikata (dançarino e coreógrafo
criador da dança estilizada do butô),
o pai de Hirosuke revela-se um indivíduo de aspirações insanas, alheias aos
convencionalismos da natureza e da humanidade; seu objetivo é criar uma
sociedade alternativa de pessoas deformadas (e, de fato, elas povoam toda a
ilha com imagens saídas de algum quadro surrealista de Peter Brugel ou Hieronymus Bosch) e para
tanto, Hirosuke, seu filho, tem papel determinante. Esse personagem, de Tatsumi
Hijikata, é pois uma variação japonesa de “A Ilha do Dr. Moreau”, de H.G.
Wells, levando à extremos o complexo de Deus, e as próprias fronteiras
irrisíveis entre visionarismo e loucura.
Poderia-se presumir que a obra de Teruo Ishii,
em princípio, referencia a tragédia nuclear de Hiroshima e Nagazaki no seu
emprego de seres deformados (sobreviventes da bomba atômica) como elementos do
terror –e à todo um sub-gênero dentro do cinema de terror japonês à abordar
essa questão –mas, não: Em sua singularidade e originalidade, “O Horror dos
Homens Deformados” se despe de mensagens ideológicas para perseguir algo muito
mais translúcido: O estranhamento puro e simples oriundo de uma sensação de ar
rarefeito.
Na caracterização pavorosa e desigual de seu
antagonista, na crueldade non-sense,
perturbadora e certamente inverossímil de seus planos e nas cenas
desconcertantes que se vale para materializá-los na meia hora final, o filme de
Teruo Ishii deseja testar seus limites a fim de encontrar o horror mais puro às
custas da própria coerência.
E, em seu favor, é possível dizer que chega
muito perto de conseguir; artisticamente, seu filme é notável em termos
técnicos e dramáticos, e a soma de suas partes, com frequência, resulta num
todo incomum, impressionante e intrigante.
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