segunda-feira, 22 de abril de 2019

A Ilha do Dr. Moreau

No mesmo ano em que o clássico da ficção científica escrito por H. G. Wells, em 1896, completava seu centenário, ela ganhava também sua terceira versão cinematográfica, e por assim dizer, a mais ambiciosa de todas.
Não que as outras (lançadas em 1933 e 1977) não tivessem suas intenções de largo alcance artístico: É necessário um certo espírito visionário para compreender a abraçar as imbricações presentes naquela trama sobre um cientista que, ao manipular o DNA animal e humano, e conceber monstros, acaba brincando de deus.
Todavia, a obra de 1996, dirigida por John Frankenheimer trazia propósitos imodestos à sua premissa –já então consagrada como uma das grandes obras literárias do gênero –que não apareciam com tanta ênfase nas adaptações anteriores, tão mais inclinadas à simplicidade macabra do mero terror.
A começar pela ostensiva escalação de Marlon Brando para viver o insano cientista, uma manobra que talvez quisesse estreitar os laços entre este filme e o quintessencial “Apocalypse Now” –não só os dois personagens recebem de Brando um tratamento um pouco parecido no registro da psicopatia, mas também a própria encenação proposta pela direção (com texturas da vida na selva evidenciadas em seus detalhes e suas cores), cria um clima não necessariamente similar, mas, intencionalmente similar.
Isso porque em muitos aspectos “A Ilha do Dr. Moreau” resulta sofrível quando poderia ser memorável, bizarro quando poderia ser original e involuntariamente cômico quando poderia ser intenso. Isso se deve aos diversos problemas de produção enfrentados pelo diretor Frankenheimer durante a realização do projeto, incluindo aí o sempre difícil esforço de colocar nos eixos o complicado temperamento de Brando.
Quando a trama se inicia, o seu Dr. Moreau se vê pressionado por ativistas, chocados com os métodos sem critério com os quais ele realiza experiências em animais. Moreau deixa Londres e isola-se numa ilha no Pacífico Sul onde passa a projetar uma nova raça de predadores implacáveis.
O roteiro ligeiramente bipolar escrito por Richard Stanley (diretor do cult “Hardware-O Destruidor do Futuro”) e Ron Hutchinson revê alguns ângulos distintos da trama até introduzir o protagonista de fato, Edward Douglas (David Thewlis), um piloto de avião que cai na ilha e é resgatado pelo lunático Dr. Montgomery (Val Kilmer, numa vibe alucinada semelhante à de Brando), um neurocirurgião que auxilia o Dr. Moreau em suas experiências.
A partir daí, como nas versões anteriores, o filme acompanha a gradativa consciência de Douglas acerca do cenário de pesadelo que configura a ilha; e suas encrencas são intensificadas quando ele passa a fazer parte dos planos do próprio Dr. Moreau.
Contando com o lendário Stan Winston no departamento de maquiagem, o filme de Frankenheimer tem a chance de exibir os mais realistas e detalhados mutantes dentre todas as versões do livro no cinema, no entanto, algo em sua unidade visual não soa harmonioso; pelo contrário, na atmosfera, nas opções estéticas e na orientação da fotografia, “A Ilha do Dr. Moreau” é caótico e desleixado, passando uma desagradável impressão ao expectador. Existem alguns apreciadores que consideram o bom trabalho de Frankenheimer obtido à luz de tantos contratempos de produção, mas eles não são muitos.

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