quarta-feira, 9 de junho de 2021

Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas


 O que é a memória? Certamente, no âmbito do cinema, essa pergunta encontra as mais ambíguas respostas. Para Federico Fellini, em seu antológico “Amarcord”, a memória é um filtro através do qual a nostalgia e o romantismo modificam o passado. Já, para Tim Burton, ou mais especificamente para seu protagonista em “Peixe Grande”, a memória é uma via de mão dupla por onde transcorrem verdades e mentiras a confundir até mesmo as convicções do próprio narrador. Com efeito, é em tais memórias –ou nas histórias contadas na qualidade de memórias –que “Peixe Grande” se transfigura, em termos reconhecidamente visuais, num filme de Tim Burton de fato; no mais, a narrativa discreta e austera emula, antes disso, um filme mais convencional e pé no chão, distinguindo estilisticamente o que é conto do que é fato.

Essa tentativa de separar o joio do trigo começa com o já idoso Edward Bloom (o sensacional Albert Finney), um contador de histórias nato –são notórias as narrações de suas aventuras malucas, entre as quais, aquela na qual pescou um peixe de tamanho descomunal.

Seu ouvinte mais desconfiado é e sempre foi seu filho William (Billy Crudup). Com idade adulta, William dá um basta nas historietas do pai –e na pressuposição de que, sendo elas mentiras, então ele nunca o conheceu de fato –e sai de casa.

Eles se reencontram anos depois, quando Edward fica doente, levando o filho a voltar ao convívio com o pai. Contudo, agora William quer descobrir a verdade por trás de todas aquelas histórias fantásticas. E é aí –no regresso ao passado idealizado –que “Peixe Grande” dá asas aos delírios de seu diretor.

No passado, acompanhamos Edward (vivido na aventureira juventude por Ewan McGregor) em suas peripécias pelos EUA, quando era vendedor itinerante, ofício que permitiu-o viajar e descobrir preciosidades como uma cidade escondida dentro de um pântano; um circo administrado por um lobisomen (Danny De Vitto); e o amor de sua vida (vivido por Allison Lohman, quando moça, e pela bela Jessica Lange, na idade avançada).

É nessa dicotomia visual entre a história que aconteceu e a história como ela foi contada que residem não só os grandes méritos artísticos e estéticos do filme de Burton, como também suas mais profundas reflexões: O passado, transmutado por uma vasta imaginação, se torna assim um sonho; e não é o sonho, afinal, bem mais agradável que a árdua e decepcionante vida real?

É essa a pergunta que, em dado ponto, o filme de Burton parece fazer ao público: Há algum mal em temperar os acontecimentos medíocres de outrora com uma melodia e uma poesia que os converte em pura fascinação? Que crime há nisso?

A narrativa de Tim Burton desvencilha-se habilmente do fato de que enaltece o ato da mentira com um filme visualmente sedutor, e uma trama sobre o resgate da relação pai e filho cujas propriedades tem o genuíno poder de encantar o expectador.

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