sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Jackie


 Sempre interessado em personalidades reais capturadas em determinado ponto de uma trajetória singular, o diretor chileno Pablo Larraín (do fantástico “No”) debruçou-se, em sua estréia hollywoodiana, a desvendar as circunstâncias humanas, dramáticas e filosóficas que rondaram Jaqueline Kennedy durante os quatro dias após presenciar o marido –o presidente John F. Kennedy –ser assassinado no fatídico atentado de 22 de novembro de 1963 até o momento de seu funeral e enterro encenado, sob orientação da própria Jackie (como era chamada), de forma a tornar aquele um instante antológico na memória do povo norte-americano.

É notável a compreensão de Larraín, enquanto cineasta estrangeiro, para elementos que presumimos tão próprios dos EUA, como sua História pregressa (os pormenores íntimos que a câmera captura são de um brilho ímpar), seus detalhes mais ínfimos e suas impressões.

Munido de todas as artimanhas que o grande cinema é capaz de proporcionar, o filme de Larraín acompanha sua protagonista (vivida com maturidade e astúcia por Natalie Portman, num desempenho, ouso dizer, talvez até melhor que seu oscarizado trabalho em “Cisne Negro”) em diferentes ocasiões ao longo daquelas horas: São flagradas as discussões com assessores e outras figuras (entre elas o irmão, Bobby Kennedy, vivido por Peter Sarsgaard), muitos ainda incapazes de entender o efeito contundente daquele momento na História; os diálogos entre Jackie e um sacerdote (o saudoso John Hurt), carregados de esforço em busca de um significado diante da ensurdecedora tragédia, bem como flashs de lembranças Jackie em sua árdua adaptação à rotina na Casabranca, aos olhares atentos de todo povo americano (que logo adquiriu uma certa obsessão por ela), e na manutenção de sua relação com John Kennedy e com o peso de ser Primeira-Dama.

O trecho final acrescenta à esse repertório de instantâneos pessoais as sequências francamente memoráveis do enterro de Kennedy, no qual Jackie foi obstinada em recriar as características do enterro do próprio Abraham Lincoln, também ele, um presidente americano vítima de assassinato.

Ao contemplar tal história, tal protagonista, nessa situação específica, Larraín não quer lançar-se numa audaciosa tentativa de emular o subconsciente norte-americano sob o prisma de uma tragédia mundialmente conhecida, ele quer, sim, derrubar fronteiras, vislumbrando Jackie Kennedy e todos os perplexos coadjuvantes que a orbitaram como seres humanos colhidos num momento aterrador e arrebatador do Século XX.

Nessa meticulosa observação, é a própria Jackie quem facilmente salta à frente de todos os outros: Na atuação hipnótica, estudada e respeitosa de Natalie Portman, no contexto assim esboçado, na conjunção reflexiva das informações de ordem intimista dispostas no roteiro, “Jackie” fala sobre a tenacidade sobre-humana de uma grande mulher, a primeira a compreender o significado daquele trágico momento histórico em que estava inserida, quando todos os outros se achavam anestesiados pelo luto, prestando atenção somente no grande homem que havia partido.

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