Uma sátira a um só tempo afiada, macabra e inédita das vaidosas veleidades de Hollywood e um registro atordoante de um mergulho irreversível na loucura, o grande trabalho de Billy Wilder é também dono de uma série de grandes cenas antológicas, entre elas o começo, em que o protagonista, na condição de homem morto dá início à narrativa que levará a sua morte: Um gatilho narrativo tão audacioso quanto desafiador naquela Velha Hollywood de então, quando ousadias desse gênero não eram nem um pouco comuns no circuito de produções, sobretudo, as gabaritadas e conceituadas como o caso desta.
“Sunset Boulevard” toma emprestada a estrutura
inicial de um film noir para dar o empuxo a sua trama: E de fato é com um film
noir que ele muito se parece ao regredir no tempo e mostrar –numa narrativa
contada em off pelo protagonista –o roteirista Joe Gill (William Holden), o
homem morto numa piscina visto na primeira cena, iniciar seu relato de como foi
recebido numa mansão decadente por Norma Desmond (Gloria Swanson), outrora diva
do cinema mudo que vive por lá aos cuidados de seu mordomo (Erich Von Stroheim)
que foi também seu diretor e marido.
Jovem e ambicioso roteirista, Joe é incumbido
de escrever o roteiro do filme que deve representar o retorno triunfal de Norma
à ribalta, entretanto, a relação entre eles não se resume somente a isso:
Passando a morar com ela, Joe é convertido em seu amante, sob o preço de se ver
oprimido por seu egocentrismo.
Desvencilhar-se dela e, quem sabe, engatar um
relacionamento destituído de obsessões com a jovem assistente Betty (Nancy
Olson) é uma esperança que, se chega a passar pela mente de Joe, também deve se
submeter à periculosidade cada vez mais palpável na neurose que Norma vem
cultivando.
Na ânsia por deter o envelhecimento que a
afasta da imagem imortalizada de diva, Norma Desmond é uma figura emoldurada
numa mansão de ares vitorianos tanto quanto o é o Charles Foster Kane de Orson
Welles em “Cidadão Kane” –personagens prisioneiros da própria ambição de irem
além de sua limitada humanidade,
Esse roteiro meticuloso desvencilha-se da óbvia
auto-sabotagem em entregar o fato de que o personagem principal irá morrer em
algum momento antes do final surpreendendo paulatinamente o público por meio de
expedientes bem menos óbvios.
Logo, essa situação –na qual se descobre
preterida por uma jovem com menos idade, um reflexo da própria decadência que
sua outrora fulgurante carreira experimentou –levará Norma Desmond a sucumbir a
loucura, resultando numa tragédia.
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