segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Rádio Pirata


 Em 1987, o falecido diretor Lael Rodrigues finalizou sua assim chamada “Trilogia do Rock Nacional” com “Rádio Pirata”, encerrando o projeto onde almejou lançar um olhar descontraído, despido de preconceitos e carregado de um certo romantismo àquela geração de jovens, aos seus anseios, expectativas e angústias –impressões hoje que são extraordinariamente distintas da geração atual. O primeiro filme, “Bete Balanço” falava sobre a busca de uma jovem garota por um lugar ao sol na dicotomia esmagadora de uma metrópole onde entrecruzavam-se amores, interesses e desilusões. O segundo, “Rock Estrela”, executava manobra narrativa muito parecia, com a diferença de emoldurar com essa dramaturgia um protagonista do sexo masculino. Talvez, em resposta a possíveis críticas do segundo filme –que certamente apontaram de forma rabugenta a semelhança redundante entre os dois primeiros filmes –Lael Rodrigues fez deste terceiro o enredo mais diferenciado dos três.

Tecnicamente superior (isso se nota inclusive no uso menos hesitante de cenas de ação, embora a técnica de aceleração de quadros numa cena de perseguição ofereça uma sensação mambembe), “Rádio Pirata” conta a história de uma tentativa revolucionária de denunciar uma prática corrupta do governo, realizada por um grupo de jovens ao usar um sinal de rádio pirata instalado num automóvel (!). À esse grupo, junta-se o jovem técnico de informática Pedro (Jayme Periard), disposto a expor e combater as injustiças flagradas na crise política do Rio de Janeiro (e do Brasil) do período de então, após descobrir um vazamento de informações sigilosas na empresa em que trabalhava, junto de um amigo. Há, portanto, um esboço de intriga política a movimentar a trama, não sem um certo verniz de romantismo que parecia tão inerente àquela geração, e que pareceu ser uma das características do diretor Lael Rodrigues, visto sua ênfase na trilha sonora.

Apesar desse filtro de idealização juvenil –a cercar tudo com uma atmosfera pueril, fazendo os jovens revolucionários soarem mais como crianças indignadas do que como ativistas conscientes –“Rádio Pirata” deixa evidente, nas situações esboçadas em seu roteiro, a pertinente intenção de tratar a realidade do país, afastando-se dos contos de fadas que prevaleceram nos filmes anteriores: Ainda que o enredo não evite ao menos uma pequenina concessão: O romance ocasional, fortuito e quase lúdico a cercar o protagonista e a personagem de Lídia Brondi (bela e apaixonante, possivelmente a melhor coisa do filme), Alice, que encabeça o desvairado grupinho jovem que transforma o flagra governamental em um escândalo nacional.

Válido na sua tentativa de emplacar uma realização que englobasse ação (ainda que titubeante), suspense (ainda que nem sempre convincente) e um conceito político mais engajado (o que, apesar de suas limitações indica a disposição do diretor em tentar evoluir seu cinema), e sensacional no registro da década de 1980 que emprega em sua melodia e atmosfera, “Rádio Pirata” termina ostentando uma série de imperfeições oriundas justamente de sua própria tentativa de inovar; algumas cenas que se pretendem alegóricas (como a do grupo de teatro) soam risíveis e constrangedoras. Suas qualidades residem no aperfeiçoamento da execução de facetas que já tinham funcionado nos filmes anteriores; a fotografia  bem-cuidada e estilizada, e a trilha sonora, aqui usada com mais economia, mas ainda assim capaz de entregar momentos um tanto quanto memoráveis, como a conhecidíssima faixa-título cantada pelo RPM, e a emblemática e marcante sequência final executada com primor por Marina Lima.

Ao final, “Rádio Pirata” deixa um gosto agridoce da na boca: É um encerramento algo estranho, solitário, incerto e melancólico para uma trilogia que iniciou-se com festividade e, apesar de tudo, inocência e otimismo, mas, acima de tudo, é uma prova irrevogável que, na evolução técnica e artística experimentada por seu estilo nessas três obras irregulares ainda que encantadoras, o jovem diretor Lael Rodrigues tinha muito mais a oferecer ao cinema nacional, não tivesse o destino o levado, deixando como seu legado somente esta curiosa trilogia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário