sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Colateral


 Max Durocher (Jamie Foxx, entregando um grande trabalho no mesmo ano em que arrebatou o Oscar de Melhor Ator por “Ray”) é um motorista de táxi de Los Angeles, assalariado em um trabalho que não lhe satisfaz, que vive planejando abandonar, embora no fundo, esteja apenas se enganado; a ocupação ‘temporária’ de taxista já tomou uma década inteira de sua vida! Numa noite desafortunada, ele é coagido por Vincent (Tom Cruise, num compenetrado e eficiente papel de antagonista), um assassino de aluguel, para quem dá carona em seu veículo, a acompanhá-lo e guiá-lo durante toda a noite aos locais da cidade em que deve fazer cada um de seus cinco "serviços".

O pobre motorista está convicto de que seu perigoso passageiro não o deixará terminar a noite vivo, e por isso planeja fazer algo para impedi-lo, e parar com os assassinatos.

Paralelamente, a circunstância em que se torna choffer do assassino leva Max e Vincent a estabelecer uma curiosa relação entre suas próprias perspectivas.

O excelente roteiro de Stuart Beattie chegou a parar nas mãos do brasileiro Fernando Meirelles (de “Cidade de Deus”), que enxergou na premissa um filme de comédia, até ser realizado e conduzido com brilhantismo pelo sempre competente diretor Michael Mann, que dele extraiu um conto espetacular sobre desilusão e urgência.

Para tanto, sua técnica assimilou maneirismos orgânicos das filmagens digitais –que ele empregou também em seu épico de gangsteres “Inimigos Públicos” –criando um expectro de luz e sombra para as filmagens que conferia ao registro da ação uma aura e uma impressão equilibradas entre o documental e o ligeiramente onírico; características que determinam com primor a natureza de sua trama.

Há um esforço tão nítido quanto admirável de Tom Cruise em conceder textura e profundidade reais ao seu primeiro papel de vilão, o que se sobressai, porém, é a magnífica composição de Jamie Foxx que, aliás, concorreu ao Oscar de Coadjuvante.

A dinâmica entre Max e Vincent, nas mãos desses dois grandes atores, no prisma formidável do inspirado roteiro e na condução peculiar e inteligente da direção, acaba sendo muito mais do que um duelo de egos antagônicos que culmina no incontornável embate físico: É também uma observação audaz sobre os vícios da vida moderna, sobre a corrupção que nos rodeia e sobre os empuxos drásticos e inesperados do destino.

Nesse exercício de gêneros sempre impecável que Michael Mann parece realizar a cada filme –mesclando concepções distintas de ação, mas sempre voltando à mesma categoria pela qual é apaixonado, o filme policial –ele vislumbra o cinema, tal como os grandes autores, como um laboratório onde se está em análise e experimentação a própria existência, o fluxo interminável de todas as coisas, transformando com isso uma premissa ameaçada de resultar banal numa obra tão inquisitiva, profunda, crua e reflexiva quanto “Clube da Luta”, de David Fincher.

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