Tudo, no que diz respeito a Hollywood, está aberto à reciclagem, ao reaproveitamento. Nenhum sucesso é sagrado demais para que, na geração seguinte, não seja refeito, repaginado e refilmado –em alguns casos, poucos anos são necessários para esse processo se iniciar.
No caso de “A Pantera Cor-de-Rosa”, tornado
memorável graças ao talento ímpar de Peter Sellers e do traquejo em comédia do
diretor Blake Edwards, era mesmo uma questão de tempo –após a morte de Peter
Sellers, ocasionada durante as gravações de “A Trilha da Pantera Cor-de-Rosa”,
até mesmo tentou-se, na década de 1990, reiniciar a franquia (quando essas
iniciativas eram ainda raras no cinema comercial e, portanto, não havia muita
experiência em saber como fazer) com o desastroso “O Filho da Pantera
Cor-de-Rosa”, estrelado pelo mais inadequado impossível Roberto Benigni.
Mais uma década se passou, então, para que os
estúdios de Hollywood por fim criassem coragem para uma nova empreitada. Desta
vez, a distância de tempo a separar a nova versão da impecável série com Peter
Sellers proporcionava um reboot de fato: Diferente de “O Filho...” que nada
mais é que uma continuação das mais mambembes, o novo “Pantera Cor-de-Rosa”, de
2006, começa tudo do zero, reapresentando para toda uma nova geração de
expectadores o personagem icônico do Inspetor Clouseau, agora vivido com
empenho sobrehumano por Steve Martin.
Martin já era uma comediante em relativa
atividade na época de Peter Sellers –os próprios extras do DVD dos filmes
antigos flagram ele, num certo momento, enaltecendo o trabalho de Sellers –e
sua recriação do Inspetor Clouseau esbarra numa inescapável homenagem,
comprometida pelo fato de que, submetendo-se à comparação com o original, seu
saldo sempre será negativo.
A trama, mais redonda que o filme original –no
qual, sabe-se, muito do protagonismo de Clouseau e do humor certeiro foi
encontrado gradualmente e ao custo de muito improviso –mostra o assassinato de
um ídolo do futebol francês (ponta de Jason Statham) seguido do sumiço do
diamante “Pantera Cor-de-Rosa”, o mcguffin
que batiza e movimenta o enredo de todo o filme. Crimes misteriosos tornados
notórios pelo escrutínio da mídia, o assassinato e o roubo –relacionados um ao
outro por uma série de pistas –representam, assim, um desafio para a boa
reputação da Scotland Yard, a polícia francesa. O Comissário Dreyfus (o sempre
ótimo Kevin Kline), ávido pelo agrado dos holofotes e pela própria ascensão
profissional, requisita então os conhecimentos do Inspetor Jacques Clouseau. No
entanto, Closeau vive numa outra realidade, tamanha é sua falta de noção (!):
Ele acredita-se um estrategista brilhante, um detetive de apurados instintos
para detalhes que ninguém mais percebe e uma mente privilegiada capaz de
deduções intrincadas e certeiras e, embora hajam alguns coadjuvantes que até
partilhem dessa mesma impressão, não é nada disso; Clouseau é, sim,
atrapalhado, desastrado, equivocado e passível das mais estapafúrdias
conclusões.
A medida que as investigações avançam –contando
com o auxílio do hábil e íntegro policial francês vivido por Jean Reno e pela
deslumbrada assistente interpretada por Emily Mortimer –novos elementos são
adicionados ao caldo intrincado da investigação, que a tornam ainda mais
complexa: A sensual, nada confiável e complicadamente apaixonante cantora
vivida por Beyoncé, sempre envolvida com vários suspeitos que sistematicamente
vão morrendo (!); os vilanescos mercadores de diamantes relacionados a este e
àquele personagem; o envolvimento do Serviço Secreto na forma do enigmático
agente secreto 006 (Clive Owen, numa piadinha que na prática tem menos graça do
que na teoria) e muitos outros.
Diretor de filmes com conteúdo para toda
família (e digno de plena confiança da parte do astro Steve Martin que ele dirigiu
em “Doze É Demais”), Shawn Levy conduz o filme enfatizando a trama policial com
certa formulação genérica, um ensinamento deixado, diga-se, pelo próprio Blake
Edwards, muitos anos antes: Todo o filme é escrito, concebido e planejado com
suposta seriedade –e sob essa orientação a grande maioria do elenco de apoio se
comporta –apenas seu caótico personagem principal emula a comédia que o filme
realmente é; ele é quem deflagra as confusões, quem estrela as piadinhas e, por
sua mera presença inusitada, converte o que seria normal num palco para o
humor.
Funcionava às mil maravilhas quando Blake
Edwards tinha Peter Selers, mas, Shawn Levy não apenas não é Edwards –ele não
parece ser capaz de encontrar a essência do gracejo com a mesma facilidade e
espontaneidade –como também não tem Sellers: No papel de Clouseau, Steve Martin
dedica aqui um esforço visível. Ele pega características antológicas do
personagem e as potencializa, mas seu humor parece pueril e não universal, sua
presença é estranha e não extraordinária, seus improvisos são irritantes e não
hilariantes, e suas estripulias evidenciam uma frequente falta de timing, seja
do roteiro, da direção, ou dele próprio.
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