Tendo causado certa surpresa com a premissa até certo ponto original do primeiro filme (o cinema de ação norte-americano, na época, estava ainda a tatear suas próprias características) e arrebatado o público com uma mudança de tom do personagem na megalomaníaca e bem-sucedida segunda produção, a série “Rambo”, na chegada de seu terceiro longa-metragem, já havia caído nas graças da plateia. Com efeito –como costuma ocorrer em inúmeras trilogias –foi nesse terceiro filme que a pressão das altas expectativas do público se fez sentir.
Se em “Rambo I”, o personagem de Stallone
empreendeu um catártico acerto de contas com as mazelas existenciais da
sociedade norte-americana (relacionadas ao Vietnam) e, no segundo, lançou-se
numa batalha ainda mais emblemática e despida de sutilezas contra o próprio
Vietnam, em “Rambo III”, tendo exaurido as possibilidades dessa questão, o
contexto sócio-político da nova trama voltou-se para um conflito mais atual: A
situação dos rebeldes do Afeganistão, colhidos num fogo cruzado de ideologias
entre os EUA e a União Soviética que remetia aos interesses da Guerra Fria de
então. Esse detalhe, torna “Rambo III” estranhamente significativo –trata-se de
um dos pouquíssimos trabalhos dentro do cinema hollywoodiano a tratar desse
período da Guerra do Afeganistão –assim como, hoje, brutalmente anacrônico –é
pois, de uma ironia atroz que, naquele final dos anos 1980, os russos (sempre
eles) sejam colocados como vilões e, por consequência, os rebeldes insurgentes
do Afeganistão (que eram então armados pelo próprio governo dos EUA) sejam
retratados como guerreiros honrados e desejosos de justiça.
É uma moldura que, na opinião dos realizadores,
traz profundidade e seriedade ao filme, entretanto, acrescenta muito pouco na
opinião do público indiferente que foi ao cinema conferí-lo. Nesse sentido, a
notícia de que Stallone fizera 100% das cenas de ação sem nenhum dublê pesou
muito mais na campanha de marketing.
A terceira aventura do soldado-símbolo da Era
Reagan começa com John Rambo exilado numa espécie de mosteiro, buscando fugir
de seus fantasmas a exemplo do que ele dera a entender em seu discurso ao final
de “Rambo II” –essa filosofia, contudo, não o impede de ingressar num torneio
de lutas brutais com vidro quebrado colado às luvas da mão, na cena que abre o
filme. Assim, Rambo é mais uma vez procurado pelo Coronel Trautman (Richard
Crenna) que, como antes, requisita suas, digamos, habilidades: Ele quer que
Rambo participe de uma incursão no Oriente Médio, onde ele e outros soldados
norte-americanos devem ajudar os afegãos em sua luta contra os invasores
soviéticos. No entanto, Rambo não deseja envolver-se em mais guerras e recusa o
pedido, obrigando Trautman a agir por conta própria. Mas, durante a dita
operação, o outrora mentor de Rambo acaba capturado pelos inimigos. Com o amigo
prisioneiro, resta à Rambo fazer algo que não queria: Envolver-se em mais um
conflito.
Ele vai, assim, ao Afeganistão –onde uma
miríade de coadjuvantes francamente desinteressantes e discursivos aparecem
–com a intenção de encontrar Trautman e livrá-lo do jugo dos vilões e, como no
segundo filme, acaba lutando (e vencendo!) pelos EUA toda uma guerra que, até
então, eles não conseguiam vencer.
Contudo, na única consideração que o filme
parece deixar bem clara, os novos
conflitos políticos e bélicos do Século XX (e que adentrariam com ainda
mais complexidade o Século XXI) não se revelam tão preto no branco quanto as
guerras de antes –talvez, a guerra do Vietnam tivesse sido o último combate às
claras da era moderna, pouco antes do surgimento de um novo tipo de guerra, na
qual conceitos distintos, territoriais e existenciais moldaram inimigos
invisíveis, não dotados de uma nacionalidade ou mesmo de um rosto, mas de um
propósito sombrio e, com frequência, incompreensível. Refletir a esse respeito
passa longe de qualquer intenção em “Rambo III” –ele é, quando muito, um filme
de ação usual, como muitos que Stallone realizou e certamente infinitamente
menos envolvente e eletrizante do que os dois primeiros filmes –e seus
responsáveis estavam muito longe de serem capazes de profetizar o quanto
irônico ele soaria algumas décadas depois quando os mesmos afegãos, aqui pintados
como rebeldes amigáveis, exóticos e oprimidos, acabariam por gerar facções,
milícias e organizações como aquela que
viria a deflagrar o atentado ao World Trade Center em 11 de setembro de 2001.
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