sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Trocando As Bolas


 Os trabalhos assinados pelo diretor John Landis se beneficiaram muito do terreno propício à comédia que certos valores culturais dos anos 1980 fomentaram; prova disso é que a qualidade de suas realizações decaiu quando chegaram os anos 1990, bem mais cínicos. “Trocando As Bolas” foi um grande sucesso –embora não tenha entrado no subconsciente da cultura pop como o cultIrmãos Cara-de-Pau” –e é indicativo do estilo minucioso (ainda que ligeiramente convencional) de Landis para construir humor; e em contrapartida, é também um exemplo do quão frutífera era sua capacidade para moldar cenas memoráveis.

Em sua premissa, “Trocando As Bolas” pode soar improvável, até mesmo simplista (características que definem diversos sucessos dos anos 1980), mas a soma de suas partes garante uma qualidade que vai além de sua estranha ingenuidade: O filme basicamente gira em torno de uma aposta, perpetrada por dois velhotes milionários, na qual acreditam que serão capazes de mudar a índole de duas pessoas completamente distintas desde que se mude também o ambiente em que vivem. Essas duas pessoas veem a ser Louis Winthorpe III (Dan Akroyd, que trabalhou com Landis em “Irmãos Cara-de-Pau”) e Billy Ray Valentine (Eddie Murphy, que trabalhou com Landis em “Um Príncipe Em Nova York”).

Winthorpe é ricaço, nascido em berço de ouro e, como tal, é esnobe, vaidosamente articulado, elitista e arrogante. Valentine é pobre, criado nas ruas e vive na base da própria malandragem –começa o filme, por exemplo, se fazendo passar por mendigo aleijado (!).

São a dupla de milionários Duque Randolph e Duque Mortimer (os veteranos Ralph Bellamy e Don Ameche) quem engendram a aposta que mudará drasticamente a vida dos dois: Eles arremessam Winthorpe na pobreza (sabotam sua credibilidade junto ao círculo social, congelam suas finanças, o incriminam de roubo, tiram suas posses, incluindo sua moradia, e o levam até a perder o noivado arranjado); e pegam Valentine (tirado diretamente da cadeia!), e o colocam em seu lugar. Uma vez limpo, bem vestido, posto para morar numa mansão de luxo (assessorada pelo mordomo vivido por Denhol Elliot, de “Caçadores da Arca Perdida”) e incluído no quadro de funcionários de classe alta da empresa de compra e venda de ações dos Duque, Valentine passa pela metamorfose que eles tanto mencionaram: Abandona o linguajar chulo, abre mão do comportamento que antes o definia e chega até a expulsar vários conhecidos da ralé de uma festa (regada à muita nudez!) em sua mansão. De sua parte, Winthorpe –que só não sucumbe totalmente graças ao auxílio da garota de programa interpretada pela maravilhosa Jamie Lee Curtis –adquire hábitos mais desesperados e questionáveis (enche os bolsos de comida em uma festa de grã-finos onde ele entra trajado de Papai Noel!).

Vale destacar que os dois atores principais estão ótimos, cada um à sua maneira: Eddie Murphy compõe sem qualquer histrionismo (do qual muitos críticos achavam que ele não era capaz de se desvencilhar) e com muita solidez e dignidade a conversão de Valentinde, de um homem mundano, suburbano e cheio de lábia em alguém refinado, sofisticado e adequado à classe alta; enquanto que a transformação de Dan Akroid é outra: Seu personagem vai de um cara mimado e blassé para alguém mais razoável e sofrido, por quem o público já consegue torcer.

É assim que, ao constatarem a armação amoral na qual ambos caíram, Winthorpe e Valentine, já no divertido terceiro terço do filme irão à forra, e tentarão voltar os planos sem qualquer empatia dos Duque contra eles mesmos. Nesse processo, o filme de Landis consegue encaixar uma série de momentos absolutamente icônicos dentro das emblemáticas obras da década de 1980. Cito dois deles, dentre os muitos: A cena inebriante e fenomenal de nudez da deliciosa Jamie Lee Curtis (a única em toda sua carreira, fazendo a loucura dos fanáticos por filmes de terror que ansiaram, sem sucesso, que ela fizesse uma cena assim em algum dos filmes que deram a ela a fama de “rainha do grito”), e a participação rápida, essencial para a trama e, no mínimo, inusitada de Jim Belushi, fantasiado de gorila (!).

No auto-centrado e rabugento cinema realizado atualmente, a premissa de “Trocando As Bolas” seria  insustentável até mesmo para uma animação, mas nos anos 1980, foi capaz de render um de seus mais hilariantes produtos comerciais.

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